STF: “Teríamos o comércio exterior do Brasil sob contrôle não das autoridades competentes, mas na dependência do exclusivo arbítrio de emigrantes e imigrantes”
O jornal A Noite registra em sua edição de 28 de junho de 19551 a “importante decisão” do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre “restrições às bagagens de imigrantes”.
A matéria começa relatando o caso de Sabatino Barki, imigrante procedente de Trípoli. Ele “chegou a esta capital [Rio de Janeiro] e, querendo aqui fixar domicilio, trouxe seus haveres. Em lugar de numerário com a sua bagagem carregou mercadorias, em cuja aquisição não empatou divisas nacionais, tendo regularizado suas providências no Consulado brasileiro em Paris”, diz o diário de orientação governista, acrescentando: “Com receio de ver apreendida a mercadoria na nossa Alfândega, impetrou segurança, alegando amparo no artigo 142 da Constituição”.
Outro caso era o de Marco Modiano, com o inspetor da Alfândega – relata o jornal – acentuando que “o sobrenome do impetrante denunciava conhecida casa comercial de tecidos” e o “litis consorte2 informara que trazia mais 2.500 metros de casimira, 23 mil de tropical, 500 de gabardine, tudo com um valor calculado de dois milhões e quinhentos mil cruzeiros”.
Um juiz acabou por conceder a segurança, diz o A Noite, porque “o art. 142 nada tem a ver com bagagem ou com importação”. A licença por ele outorgada, aponta o jornal, diz respeito “à liberdade de trânsito, não sendo preceito de ordem comercial, mas princípio de ordem política”. No Tribunal Federal de Recursos, no entanto, a decisão foi revertida, tendo então os interessados recorrido ao STF.
O relator foi o ministro Luiz Gallotti, com unanimidade na corte. Ele escreve, citado pelo jornal: “Adotado o entendimento da sentença, qualquer estrangeiro rico, rotulando-se de imigrante, poderia trazer para o Brasil tudo aquilo que bem entendesse e não conviesse ao nosso país (os seus bens, ou o que, vendendo-os resolvesse adquirir no estrangeiro, como no caso ocorreu). E porque fala o artigo 142 da Constituição tanto em entrar como sair sem distinguir entre brasileiros e estrangeiros (a sentença é que resolveu ver no dispositivo uma franquia restrita aos imigrantes), a conclusão seria que qualquer pessoa também poderia sair do país levando tudo o que não convém ao Brasil exportar…”
O ministro do STF conclui: “Teríamos, então, o comércio exterior do Brasil sob contrôle não das autoridades competentes, mas na dependência do exclusivo arbítrio de emigrantes e imigrantes”.
NOTAS
1 Disponível em http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=348970_05&pagfis=30803&pesq=
2 Quando duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente. Vide artigo 46 da lei 5.869 de 1973: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869.htm