Raízes da xenofobia no Brasil: nazifascismo e integralismo na Era Vargas

Por Gustavo Barreto (*)

Segundo a pesquisadora Maria Luiza Tucci Carneiro, as ideias de Hitler começaram a aportar no Brasil antes mesmo de o líder nazista chegar ao poder, já em 1929, quando imigrantes alemães recém-chegados formaram os primeiros núcleos nazistas. “Após a ascensão do Führer ao poder, em 1933, esses grupos foram integrados à Auslandorganisation der NSDAP – a Organização do Partido Nacional-Socialista para o Exterior (AO). No ano seguinte, o governo alemão organizou um sistema de infiltração e de propaganda com os alemães radicados no estrangeiro. Em 1937, Ernest Wilhelm Bohle, responsável pela AO, assumiu também funções diplomáticas na Embaixada Alemã no Brasil, permitindo que o Partido Nazista cumprisse ostensivamente a missão de “proteger” os alemães do exterior”, registra a pesquisadora1.

Instituições nazistas foram criadas em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Curitiba. A maior concentração de partidários do nazismo, comenta, deu-se no Estado de São Paulo, com 785 filiados ao Partido Nacional-Socialista. Carneiro acrescenta: “Entre eles havia operários, comerciantes, agricultores e industriais. Mas nem todo simpatizante se filiava ao partido. Dezenas de grupos fascistas e nazistas emergiram em vários pontos do país, favorecidos pelo autoritarismo do Estado e por segmentos conservadores da Igreja Católica e da imprensa. E havia uma parcela significativa das comunidades de imigrantes italianos e alemães entre os adeptos”.

A pesquisadora destaca ainda a importância da imprensa nazista entre os imigrantes. O jornal Deutscher Morgen (Aurora Alemã) – publicado em São Paulo desde 1932 – funcionou como um dos principais veículos da propaganda de Hitler no seio da comunidade alemã. Segundo ela, a partir de 1934, passou a ser o órgão oficial da seção que coordenava as atividades do Partido Nazista em todo o Brasil (NSDAP – Landesgruppe Brasilien), sob o comando de Hans Henning von Cossel. A mesma empresa, completa Carneiro, publicava também o almanaque Volk und Heimat (Volk = povo; Heimat = pureza racial, terra natal), que circulou entre 1935 e 1939 propagando ideias antissemitas, antibolchevistas e pró-hitleristas.

Carneiro destaca que governo Vargas “não conseguia ocultar suas simpatias pelos paradigmas nazifascistas”, bastando para isso – argumenta – enumerar a “presença efetiva de germanófilos e antissemitas no alto escalão do Estado Novo e na grande imprensa brasileira”. Por meios diplomáticos, o governo dos EUA pressionava o Estado brasileiro a tomar posições contrárias ao autoritarismo nazifascista. A saída encontrada por Vargas também foi diplomática: o governo brasileiro manteve secretas e confidenciais algumas de suas iniciativas antissemitas, como um conjunto de circulares contrárias à entrada de judeus fugitivos das perseguições nazistas.

Em muitos momentos, conforme descrito neste capítulo, a aproximação com os ideais de Hitler acabaram por transparecer nas páginas de jornais pró-Vargas. Ao lado do antissemitismo varguista, de modo estratégico, estava o anticomunismo, conforme também destacado pelos impressos analisados neste projeto. “Acobertado pela lei e por um discurso populista, o governo Vargas sustentava assim o discurso da autoridade, que ocultava o discurso da violência e as ações antissemitas, como a expulsão de comunistas do país e a negação de vistos aos judeus que fugiam do nazifascismo”, registra Carneiro.

Assim como em toda a História das políticas migratórias brasileiras até, pelo menos, meados dos anos 1950, buscava-se um modelo ideal de homem brasileiro. Carneiro lembra que o governo Vargas dedicou-se à elaboração de um projeto educacional e de uma política imigratória em “prol do abrasileiramento da República”, fundados na intolerância, na xenofobia e no nacionalismo exacerbado – elementos característicos dos fascismos europeus. “Decretou-se o fechamento de escolas, proibiu-se o ensino em língua estrangeira e os jornais podiam circular apenas em português”, lembra ela.

O antissemitismo ganhou força com a ação dos integralistas brasileiros, que conseguiram obter o apoio de uma grande parte da população brasileira, com a ajuda substancial da imprensa. Um de seus principais intelectuais era Gustavo Barroso, teórico e formador de uma “escola de antissemitas”, lembra Carneiro. Barroso publicou vários livros nessa linha, além de traduzir para o português o clássico Protocolos dos Sábios de Sião (1936). Entre os livros antissemitas publicados no Brasil, diz Carneiro, estão: Brasil, colônia de banqueiros (1935), de Gustavo Barroso; e O anti-semitismo de Hitler e o julgamento apressado de alguns escriptores brasileiros, de Brasilino de Carvalho (1934).

Vale um destaque para Gustavo Barroso, formado na Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro, diplomata e colaborador de publicações como o jornal A Manhã2 (a partir de 1942), o Jornal do Commercio (1911-1913), a revista O Cruzeiro (a partir de 1948) e a revista Ilustração Brasileira (a partir de 1942). Foi um dos mais atuantes membros da Academia Brasileira de Letras, exercendo diversos cargos entre 1923 e 1959. Em seu Brasil, colônia de banqueiros, Barroso credita o fracasso histórico do desenvolvimento brasileiro a uma ação internacional orquestrada por judeus capitalistas. Em um determinado trecho, questiona: “Durará isso para sempre? Será esse o nosso trágico destino? Seremos servos humildes do judaísmo capitalista de Rotschild ou escravos submissos do judaísmo comunista de Trotski, pontos extremos da oscilação do pêndulo judaico no mundo? Ou encontraremos no fundo da alma nacional aquele espírito imortal de catequizadores, descobridores, bandeirantes e guerreiros, único que nos poderá livrar de ambos os apocalipses?”3

Maria Luiza Tucci Carneiro lembra que, apesar da ofensiva contra a colonização estrangeira, os nazistas foram um dos grupos que não sofreram perseguição. “Já os judeus – em grande parte alemães, poloneses, austríacos e italianos – permaneceram sob vigilância sistemática”, afirma. Em alguns casos, conforme destacado neste trabalho, foram criadas estruturas parecidas com os campos de concentração nazistas, muito embora a dimensão e a efetividade destes locais – como fica claro no caso de Tomé-Açu, no Pará, uma colônia japonesa à qual fazemos referência em outro trecho deste capítulo – em quase nada se assemelhe aos campos nazistas.

A posição em relação ao nazismo mudaria com a entrada do Brasil na guerra. Uma extensa rede internacional foi montada para desarticular a rede nazista na América do Sul, com apoio do FBI e da Interpol. O clima de perseguição se instalou no país, xenofobia renovada pela mudança de posição do governo Vargas. Carneiro recorda que delatar um alemão por “suspeita de nazismo” tornou-se prática corriqueira, ainda que aquele cidadão fosse um refugiado judeu.

“Nem mesmo os investigadores se importavam com tal distinção: o simples fato de um cidadão italiano, japonês ou alemão se expressar na sua língua natal já era razão suficiente para enquadrá-lo na categoria de cidadão do Eixo”. A pesquisadora conclui: “Outro sintoma de uma política de falsas posturas e múltiplas máscaras, que ainda hoje serve aos mitos políticos e favorece versões dúbias, e até mesmo negacionistas, sobre o nazismo no Brasil”.

Já há algum tempo, no entanto, os jornais integralistas tratavam de alertar ao seu público sobre a ameaça “estrangeira”, ao mesmo tempo em que flertavam com o totalitarismo exportado da Europa. O jornal A Offensiva, com “orientação de Plínio Salgado”, conforme a própria publicação descreve, publica em uma edição em 1936, por exemplo, um conhecido alerta da época sobre uma suposta tomada da Amazônia pelos japoneses. Plínio Salgado foi uma das principais lideranças nacionais e fundador da Ação Integralista Brasileira (AIB), partido político criado em outubro de 1932 e extinto, assim como os demais partidos da época, após a instauração do Estado Novo em 1937.

Trecho da capa de 18 de julho de 1936 do jornal integralista 'A Offensiva'

Trecho da capa de 18 de julho de 1936 do jornal integralista ‘A Offensiva’

A edição de 18 de julho do A Offensiva publica em sua capa: “O Japão no Amazonas; os algarismos fallam mais alto! Regiões ‘inhospitas’ onde os japonezes não conseguem morrer…”4. Segundo o jornal, que se propunha a lutar “sem tréguas” contra a entrega de terras aos japoneses na Amazônia, a opinião pública é “na sua quasi totalidade contrária ao domínio amarello”. Assim como ocorreu no caso da colonização japonesa no Pará, o jornal de extrema direita levanta suspeitas sobre as intenções nipônicas: “Será inútil que os japonezes pretendam convencer alguém de que, objetctivando se ”enkistarem” em varios pontos do Brasil, tenham em mira ”o desbravamento de nossas florestas”, ”o saneamento de nossas regiões inhospitas”, ”o desenvolvimento de nossa agricultura, industrias”, etc”.

A publicação integralista classifica as intenções declaradas dos japoneses como “literatura barata destinada a influenciar espíritos grotescos e inferiores”, alertando, entre outros motivos, que os imigrantes oriundos do Japão teriam escolhido, no caso do Amazonas, a “zona mais rica em solo, flora e fauna”.

Superado politicamente o ideário nazifascista, os jornais varguistas passaram a voltar todas as suas forças contra os comunistas, enxergando nos “vermelhos”, como eram apelidados, uma mera reprodução dos interesses de Moscou no país. Um editorial do jornal A Noite de 17 de janeiro de 19475, publicado no contexto das eleições estaduais em todo o país, ataca fervorosamente os comunistas da seguinte forma: “Não variam os métodos de ação do fascismo e do comunismo. Desde a farândula da propaganda desabusada e mentirosa até o apôio premeditado e cínico de outras agremiações, mesmo quando estas repelem frontalmente qualquer contacto com o totalitarismo esquerdista, os milionários donos do Partido Comunista são idênticos às legiões de Hitler e Mussolini”.

Tentando convencer o leitor de que mesmo candidatos da oposição repudiam, por todo o país, os comunistas, o A Noite cita um opositor mineiro que teria recusado apoio dos “vermelhos” por conta das “conhecidas (…) virtudes católicas dos mineiros e dêste candidato”, acrescentando: “Ninguem deseja vencer o pleito com a ajuda dos representantes de um partido estrangeiro, mascarado de democrata, mas com um programa de ação em tudo similar às arrogantes promessas de Hitler e Mussolini”.

É sob a égide do nacionalismo que as forças ligadas a Vargas elegem os comunistas como inimigos preferenciais: “Não podem os brasileiros se acaudalar na esteira dos interêsses internacionais defendidos, dentro das nossas fronteiras, por um partido que de nacional não tem nada, seu símbolo é a bandeira de um país estrangeiro, seus interêsses não estão no Brasil, mas fora das suas fronteiras, seu objetivo é entregar a Pátria, de mãos amarradas, à influência de outra nação”.

A ideia de que forças estrangeiras são nocivas ao Brasil continua a imperar na imprensa governista, mesmo que o próprio Vargas continuasse ligado a regimes autoritários como o dele. É o que denunciou, por exemplo, o jornal Imprensa Popular de 19 de julho de 1952, que publicou a seguinte manchete na página 3 da edição deste dia: “Repudia o Povo Brasileiro o Conluio Entre Vargas e Franco; Decidida solidariedade ao povo espanhol, que ontem comemorou mais um aniversário de sua resistência às hordas nazi-franquistas”6.

O jornal comunista, à época dirigido pelo jornalista Pedro Motta Lima, também denunciava frequentemente os acordos do governo brasileiro com os Estados Unidos, destacando nesta edição, por exemplo, que um acordo militar bilateral que estava sendo planejado faria o Brasil perder “qualquer traço de nação soberana”.

NOTAS

1 Referências à reflexão de Maria Luiza Tucci Carneiro estão no artigo, da Revista de História da Biblioteca Nacional, denominado “O Brasil diante dos nazistas”, ed. 88, jan. 2012. Disponível em http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/o-brasil-diante-dos-nazistas. Todas as menções são sobre o mesmo artigo. Vide o link para bibliografia adicional sobre o tema.

2 Que não deve ser confundido com o A Manhã que fazia oposição na República Velha, fundado em 1925 por Mário Rodrigues. Para mais detalhes sobre a diferença, vide http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/manh%C3%A3-1

3 Barroso, op.cit., Porto Alegre: Revisão Editora Ltda, 1989, 4.ed, p.49-50)

4 Págs. 1 e 4, disponível em http://memoria.bn.br/pdf2/178586/per178586_1936_00235.pdf

5 Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=348970_04&pagfis=44358&pesq=&url=http://memoria.bn.br/docreader#

6 Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=108081&pagfis=3004&pesq=&url=http://memoria.bn.br/docreader#

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

2 pitacos sobre “Raízes da xenofobia no Brasil: nazifascismo e integralismo na Era Vargas

  1. Hi Lorri, did you use two different pcuhnes for the ears???? If so, what size did you choose? I was putting mine together and glad I see the cheat sheet now. Thanks, Cheryl

  2. skriver:Grattis till vinsten!!Jag hÃ¥ller ocksÃ¥ med angÃ¥ende fler smÃ¥ tävlingar. Jag och Glittra fick stÃ¥ pÃ¥ pallen i lördags (3:a) och det var nästan löjligt kul! Tyckte att hon förtjänade att fÃ¥ lite stjärnglans pÃ¥ sig. För även om jag ocksÃ¥ inser att det är bra att hon blir 10:a av 100, sÃ¥ ÄR det inte samma sak…

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