Os desafios da psicologia no século 21
A descoberta do inconsciente é um momento efetivamente único na história da humanidade. Evidentemente que falar em uma “descoberta” quando se trata de tema tão novo – em termos históricos, ainda se trata de uma novidade – é muito arriscado. Isso se deve sobretudo ao fato de que a área da psicologia é uma das poucas – senão a única – cujo objeto é autorreferente.
Quando um cientista da área de química, por exemplo, faz um experimento de reação com substâncias cuidadosamente escolhidas, pode efetivamente observar de fora esse experimento. Quem observa a mente e o comportamento humanos nunca estará de fora. É alguém que tem uma mente aquele que fará tais observações, e o risco de ser influenciado por processos do inconsciente – se partirmos desse ponto de vista teórico – é enorme.
É esse o maior desafio da área, ao que parece. Como observar os fenômenos de resistência e repressão, por exemplo, quando os próprios psicólogos, psiquiatras e psicanalistas poderão estar imersos nestas dinâmicas? Há, evidentemente, muitas respostas e métodos que buscam responder na prática a esta questão. Esta, no entanto, persiste.
Temos, no entanto, um lembrete persistente sobre o quanto o inconsciente está ativo e trabalhando em algum lugar que ainda desconhecemos. Este lembrete é justamente o que Freud chamou de “material dos sonhos” (FREUD, 2001, p.31).
Em uma das mais importantes obras da psicologia ainda hoje, Freud argumenta que todo material que compõe o conteúdo de um sonho está além do alcance da nossa memória de vigília. O autor chamou atenção para fatos que hoje são evidentes, mas que não o eram naquele momento.
Escreveu, por exemplo: “É fato muito comum um sonho dar mostras de conhecimentos e lembranças que o sujeito, em estado de vigília, não está ciente de possuir” (Ib., p.34), acrescentando que uma das fontes de onde os sonhos retiram material para reprodução é a experiência da infância (Ib., p.35; BOCK et al., 2018, cap.2).
Sobre os sonhos, Carl Jung afirma que os sonhos contêm imagens e associações de pensamentos que não criamos através da intenção consciente. Ao contrário, aparecem muitas vezes “de modo espontâneo, sem nossa intervenção e revelam uma atividade psíquica alheia à nossa atividade arbitrária” (JUNG, 2018, p.19).
Assim, conclui Jung, o sonho é “um produto natural e altamente objetivo da psique, do qual podemos esperar indicações ou pelo menos pistas de certas tendências básicas do processo psíquico” (Id.).
Enquanto não cabe neste espaço esmiuçar as diferentes visões sobre a importância dos sonhos para este campo de conhecimento – como o caso das duas citadas acima –, vale ressaltar que o inconsciente enquanto conceito-chave foi essencial para consolidar o campo da psicologia em um momento em que o pensamento dominante jogava um forte peso no campo da medicina e nos processos meramente fisiológicos.
Passados exatos 120 anos do lançamento de A Interpretação dos Sonhos, de Freud, a identificação dos processos inconscientes ainda é um desafio de proporções consideráveis.
Hoje, no entanto, o vocabulário popular já incorporou grande dos conceitos que outrora foram combatidos por décadas pela ala “fisiologista” dos estudiosos da mente. Esta é certamente uma boa notícia para a Psicologia – ou, como bem chama Bock, as psicologias.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias – Uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Ed. Saraiva: 2002.
FREUD, S. A Interpretação de Sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 2001.
JUNG, C.G. O eu e o inconsciente (OC 7/2). 27. ed. Petrópolis: Vozes, 2015.