História da Psicologia e a pandemia atual
700 a.C. e além
A Grécia Antiga é palco de uma intensa preocupação com a alma e a razão humanas. Em meio à criação das primeiras cidades-Estados, os gregos da Antiguidade debateram conceitos como cidadania e democracia – mas também a alma humana e suas características específicas. Nascia então a filosofia ocidental, em meio a contribuições notáveis de Platão, Aristóteles e Sócrates, entre muitos outros.
A filosofia ocidental começa a tratar de um universo que alguns dos povos do chamado Oriente também já tratavam: a especulação sobre o indivíduo e seu interior. O termo psicologia vem do grego psyché, que significa “alma”, e de logos, que significa razão.
400-300 a.C.
Destaca-se, entre muitos, Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), discípulo de Platão. Ele postulou que alma e corpo não podem ser dissociados. Para o filósofo, a psyché é o princípio ativo da vida. Todos os seres vivos possuem alma – mas, no caso dos seres humanos, a alma também é racional. Sua obra De Anima estuda, inclusive, as diferenças entre razão, percepção e sensação. É, assim, uma das primeiras obras que tratam do âmbito da psicologia.
Para Platão (427 a.C.-347 a.C.), seu mestre, no entanto, a alma é imortal e separada do corpo. Quando alguém morre, dizia ele, a matéria (o corpo) desaparece, mas a alma fica livre para ocupar outro corpo.
1846
A Neurologia descobre que a doença mental é fruto da ação direta ou indireta de diversos fatores sobre as células cerebrais.
A Neuroanatomia descobriu que a atividade motora nem sempre está ligada à consciência por não estar necessariamente na dependência dos centros cerebrais superiores.
1860
Formulada a Lei de Fechner-Weber, que estabelece a relação entre estímulo e sensação, permitindo sua mensuração. Foi importante para dar aos fenômenos psicológicos um status científico.
A Lei de Ernst Heinrich Weber (1795-1878) e Gustav Theodor Fechner (1801–1887) foi essencial para estudar, por meio de um método científico (para os padrões da época), a relação entre os estímulos sensoriais e as respostas humanas, de modo a medir essa relação.
1879
Wilhelm Wundt (1832-1926) cria, na Universidade de Leipzig, o primeiro laboratório experimental na área de psicofisiologia.
Wundt, considerado o pai da Psicologia Moderna ou Científica, desenvolve a concepção do paralelismo psicofísico, que sustentou que fenômenos orgânicos correspondem a fenômenos mentais. No final do século XIX, Wundt, Weber e Fechner trabalharam juntos na Universidade de Leipzig. Junto com outros pesquisadores – como Edward B. Titchener e William James –, desenvolvem pesquisas que servem de ponto de partida para a outros experimentos na área.
1962
A Lei 4.119 de 27 de agosto de 1962 reconhece a profissão de psicólogo, fixa normas para a atuação profissional e estabelece um currículo mínimo para sua formação. Os campos de atuação são aqueles que se consolidaram como prática na história da psicologia: clínica, escolar-educacional e organização do trabalho.
Desenvolvimentos atuais da psicologia
O Brasil se tornou o centro de uma pandemia – que por natureza é global – e as pessoas que estão conscientes do problema lutam não só contra o vírus, mas também contra a falta de uma resposta adequada por parte das autoridades. Mas uma segunda pandemia também está atingindo o planeta: com as necessárias medidas de confinamento, a violência doméstica se alastrou por todos os países, sem exceção.
A ONU, por exemplo, tem relatado um significativo aumento da violência doméstica, que se dá sobretudo contra as populações mais vulneráveis em muitos países: as crianças, os idosos, as mulheres e as pessoas com deficiência, entre outros. Recentemente, o secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu medidas para combater o “horrível aumento global da violência doméstica” dirigida a mulheres e meninas.
A pandemia agrava um problema já antigo: ainda segundo a ONU, uma em cada três mulheres já sofreu violência sexual ou física.
Uma liderança da organização classificou o tema, no cenário atual, como uma “pandemia das sombras”, tendo o potencial de aumentar o impacto já destrutivo do vírus. Nesse contexto, as linhas de ajuda e a solidariedade com as vítimas são importantes, mas não substituem políticas públicas.
Enfrentamento da violência contra mulheres e meninas na pandemia
A psicologia tem ganho, assim, uma crescente importância durante a pandemia de COVID-19. O aumento da demanda por serviços de saúde mental é contrastado pela diminuição da oferta desses serviços por parte das autoridades, em meio à priorização da resposta ao coronavírus.
Os condicionantes socioeconômicos e culturais são elementos importantes para o aumento do problema: desigualdade, pobreza, racismo, machismo e outros aspectos dão à violência doméstica um caráter estrutural e estruturalizante.
Assim, a mudança desta realidade também passa por um tema importante para a psicologia: a quebra do paradigma, ainda amplamente observável, acerca do papel social das mulheres e meninas.
Em muitas comunidades e famílias, ainda resiste o estereótipo da mulher como cuidadora do espaço doméstico e posse do homem, visão patriarcal e misógina que é reforçada pelas violências não só físicas mas, igualmente, psicológicas. Na lei que é referência no tema – a Lei Maria da Penha –, são cinco as violências: física, sexual, patrimonial, psicológica e moral. Fica claro o crescente reconhecimento do papel da psicologia na abordagem da questão.
O que nós podemos fazer?
Diante desse quadro, é essencial acolher – de diversas formas possíveis – as denúncias de violência doméstica e familiar.
Uma das formas é a denúncia a órgãos competentes, como por exemplo no aplicativo “Direitos Humanos BR” e os sites ouvidoria.mdh.gov.br, disque100.mdh.gov.br e ligue180.mdh.gov.br.
Por meio desses canais, é possível enviar fotos, vídeos, áudios e outros documentos que registrem situações de violência doméstica ou outras violações de direitos humanos. Órgãos locais e regionais, como o Ministério Público e a Defensoria Pública, também realizam esse trabalho.
O enfrentamento à violência contra a mulher, no entanto, não pode se restringir ao acolhimento de denúncias. O que mais pode ser feito? Vieira, Garcia e Maciel (2020) abordam o tema e dão outras possibilidades:
- Linhas diretas de prevenção e resposta à violência doméstica;
- Ampliação desses serviços de acolhimento, tanto online como offline;
- Capacitação dos trabalhadores da saúde para identificar situações de risco, de modo a não reafirmar orientação para o isolamento doméstico nessas situações;
- A expansão e o fortalecimento das redes de apoio, incluindo a garantia do funcionamento e ampliação do número de vagas nos abrigos para mulheres vítimas da violência;
- Redes informais e virtuais de suporte social, que são meios que ajudam as mulheres a se sentirem conectadas e apoiadas e também servem como um alerta para os agressores de que as mulheres não estão completamente isoladas.
Além de apoiar lideranças políticas que respeitem os direitos das mulheres e se comprometam com a ampliação dos serviços mencionados anteriormente, existem organizações espalhadas por todo o Brasil que buscam apoiar de diversas formas as mulheres vítimas de violência.
Uma das iniciativas mais interessantes é o Mapa do Acolhimento. A plataforma funciona da seguinte forma:
- Mulheres precisando de atendimento psicológico ou jurídico em todo o Brasil se cadastram nessa plataforma;
- Psicólogas e advogadas que querem se voluntariar se cadastram, indicando localização e registro profissional;
- A equipe do Mapa checa os dados e promove o encontro entre quem precisa de ajuda e quem quer ajudar.
O endereço é o www.mapadoacolhimento.org.
Referências bibliográficas
BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Ed. Saraiva: 2018.
CONGRESSO NACIONAL. Lei 11.340 (2006). Disponível em <http://www.institutomariadapenha.org.br/lei-11340/tipos-de-violencia.html>. Acesso em 02 maio 2020.
CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DA 6ª REGIÃO (org.). Exposição 50 anos da psicologia no Brasil: A História da psicologia no Brasil. São Paulo: CRPSP, 2011. Disponível em <http://www.crpsp.org.br/portal/comunicacao/pdf/catalogo50anos.pdf>. Acesso em 02 maio 2020.
GOVERNO FEDERAL. Aplicativo de denúncias de violação de direitos humanos já está disponível. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, 2020. Disponível em: <https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/abril/aplicativo-de-denuncias-de-violacao-de-direitos-humanos-ja-esta-disponivel>. Acesso em: 15 junho 2020.
JACÓ-VILELA, A. M.; FERREIRA, A. L.; PORTUGAL, F. T. (Orgs.). História da Psicologia: rumos e percursos. Rio de Janeiro: Nau, 2019.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Instituições dedicadas aos Direitos da Mulher. Brasília, 2008. Disponível em <http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/pfdc/informacao-e-comunicacao/eventos/mulher/dia-da-mulher/instituicoes-dedicadas-aos-direitos-da-mulher>. Acesso em 16 junho 2020.
MLAMBO-NGCUKA, P. Violência contra mulheres e meninas é pandemia das sombras. ONU Brasil, 2020. Disponível em <https://nacoesunidas.org/artigo-violencia-contra-mulheres-e-meninas-e-pandemia-das-sombras>. Acesso em 15 junho 2020.
ONU BRASIL. Chefe da ONU alerta para aumento da violência doméstica em meio à pandemia do coronavírus. ONU Brasil, 2020. Disponível em <https://nacoesunidas.org/chefe-da-onu-alerta-para-aumento-da-violencia-domestica-em-meio-a-pandemia-do-coronavirus>. Acesso em 15 junho 2020.
ONU BRASIL. Uma em cada três mulheres já sofreu violência sexual ou física, alertam agências da ONU. ONU Brasil, 2020. Disponível em <https://nacoesunidas.org/uma-em-cada-tres-mulheres-ja-sofreu-violencia-sexual-ou-fisica-alertam-agencias-da-onu>. Acesso em 15 junho 2020.
ONU MULHERES. Sociedade civil. Brasília, 2020. Disponível em <http://www.onumulheres.org.br/referencias/sociedade-civil>. Acesso em 16 junho 2020.
VIEIRA, Pâmela Rocha; GARCIA, Leila Posenato; MACIEL, Ethel Leonor Noia. Isolamento social e o aumento da violência doméstica: o que isso nos revela?. Rev. bras. epidemiol., Rio de Janeiro , v. 23, e200033, 2020 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-790X2020000100201&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 16 junho 2020. Epub Apr 22, 2020. https://doi.org/10.1590/1980-549720200033.