“Boa parte dos imigrantes do início do século XX foi embora do Brasil”
Um estudo sobre a história da imigração registrado em uma edição de 2007 do jornal “O Globo”. Mais de 50 anos de imigração na fala de uma mulher.
A edição de primeiro de dezembro de 2007 do jornal O Globo destaca a dissertação de mestrado da historiadora Ilana Peliciari Rocha1 que revelava – segundo o diário carioca – que “boa parte dos imigrantes do início do século XX foi embora do Brasil”. A reportagem tem início com um personagem: “Porto de Santos, 17 de janeiro de 1908. O espanhol Francisco Ruis, sua mulher, a italiana Maria, e os filhos, Maria, Giovani, Filomena, Margherita, Giuseppe e Vittoria – todos com idades entre 1 e 8 anos – tomam um vapor italiano rumo à Europa. Viajam na terceira classe, como faz a maioria dos 30.616 imigrantes estrangeiros que deixam o Brasil naquele ano”.
A matéria recorda que aqueles eram “tempos difíceis” para os imigrantes no Brasil, com o “preconceito que se firmava contra os estrangeiros” e em meio a um contexto econômico de crise: “eles começavam a se iludir com a cultura do café”.
O jornal registra que a historiadora Ilana Peliciari localizou, nos arquivos do Memorial do Imigrante em São Paulo o “momento mais crítico desse refluxo migratório”: o período entre 1906 e 1910. Nos quatro anos, entraram segundo Ilana 190.186 estrangeiros, porém o número de saídas “surpreende a estudiosa”: 173.671, ou cerca de 91% do total de entradas. “Sempre estudamos e pensamos nos migrantes que chegaram e ficaram no Brasil. Decidi investigar os que deixaram o país”, diz Ilana citada pelo jornal.
A pesquisadora analisou 30 mil documentos de saída do Porto de Santos, com foco no ano de 1908 e nas nacionalidades italiana, portuguesa e espanhola – as de maior número de imigrantes à época. Para Ilana, a “debandada não pode ser explicada como um fracasso dos imigrantes, tampouco das políticas de fixação dos estrangeiros no Brasil”. Ela argumenta: “Uma prova disso é que o número de viajantes que pediram auxílio do governo para retornar a seu país ou para deixar o Brasil em 1908 foi muito pequeno, apenas 3,4% recorreram a essa ajuda. Então, a situação do imigrante não era de miséria”.
Os dados da historiadora confirmam a direção que deram os sucessivos governos brasileiros por meio dos editais públicos: os imigrantes eram estimulados a trazer suas famílias. Entre os viajantes analisados na pesquisa de Ilana, 30,1% eram crianças de até 10 anos que viajavam com os pais. Ainda segundo a pesquisa, 40% dos viajantes não voltavam para seus países de origem: reemigravam. E outros, registra a matéria citando a pesquisadora Midory Kimura Figuti – à época ainda trabalhando no Memorial do Imigrante e uma das maiores referências no tema em São Paulo –, iam visitar a família e retornavam.
Midory Kimura Figuti é ela própria descendente de imigrantes – nascida no Paraná, é filha de imigrantes japoneses – e já prestou diversos serviços na área, sendo seu primeiro emprego o de nutricionista da Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo, em 19592. Midory já dirigiu o Memorial quando ainda era o Centro Histórico do Imigrante, nos anos 1980. A reportagem informa que, pelos registros da Hospedaria passaram, entre 1887 e os anos 1970, 2,5 milhões de pessoas de 70 nacionalidades.
Com 120 anos (à época da reportagem, de 2007), o conjunto de prédios foi restaurado e passou a abrigar o Memorial, contendo acervo de documentos da imigração do Porto de Santos, da própria hospedaria e imagens de época. À época, Midory e a equipe do Memorial estavam em busca da “história oral como elemento de reconstituição do passado do Brasil”.
Objetos, fotos e depoimentos de imigrantes e de seus familiares são coletados para o acervo e para a montagem de vídeos e exposições, acrescenta a reportagem. Midory opina sobre o tema ao jornal O Globo: cada nacionalidade, diz, deve ser vista “de forma peculiar”, porque “guarda características próprias de sua cultura e história”.
Midory – testemunha viva da História, tendo trabalhado por cerca de 50 anos no local, até pelo menos 2010 – faz um apanhado que tem aparentemente um certo grau de generalização, mas vale o registro, conforme descrito no jornal O Globo: “Os árabes, por exemplo viajavam por conta própria, geralmente chegavam ao Brasil sozinhos e voltavam muitas vezes para seus países de origem”.
Já os italianos, que “vieram inicialmente pelas políticas bilaterais entre Itália e Brasil, chegavam com suas famílias, amparados pelo subsídio do governo” e usando “muitas vezes” as dependências da Hospedaria do Imigrante, onde depois se estabeleceu o Memorial. Os espanhóis, acrescenta, passaram a receber subsídio do governo para vir para o Brasil assim que o benefício foi suspensa na Itália, e também viajavam com suas famílias. Os portugueses, completa Ilana, eram os que mais faziam viagens de “ida e volta”.
Uma das metodologias utilizadas por outra historiadora citada, Ana Silvia Volpi Scott, é conhecer histórias pessoais para “montar o quebra-cabeça do Brasil”, registra o jornal. Um de seus trabalhos, sobre as crianças imigrantes órfãs, é produzido com a ajuda de arquivos fotográficos. “Hoje” – diz ao jornal – “há uma tendência de se acompanhar as trajetórias individuais, de fazer a microanálise. Não usamos só dados estatísticos e demográficos, mas a história das pessoas”.
1Defendido na USP, disponível em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8137/tde-24102007-145107/pt-br.php
2Em 2012 ela recebeu uma homenagem da comunidade nipo-brasileira. Detalhes sobre Midory e sobra a homenagem em http://bit.ly/1sLqguo