#Bauman: reflexos e reflexões pessoais

Por Gustavo Barreto (*)

 

BAUMAN, COMUNIDADE

Sentido positivo da palavra “comunidade”: “Ela sugere uma coisa boa: o que quer que comunidade signifique, é bom ter uma comunidade, estar numa comunidade (…) a comunidade é um lugar cálido, um lugar confortável e aconchegante. É como um teto sob o qual nos abrigamos da chuva pesada, como uma lareira diante da qual esquentamos as mãos num dia gelado (…) Comunidade é nos dias de hoje outro nome do paraíso perdido – mas a que esperamos ansiosamente retornar, e assim buscamos febrilmente os caminhos que podem levar-nos até lá” (p.7-9).

Em contraposição a esta comunidade idealizada, argumenta o autor, é apresentado ao postulante a “comunidade realmente existente”. “(…) [Esta], se nos achássemos a seu alcance, exigiria rigorosa obediência em troca dos serviços que presta ou promete prestar. Você quer segurança? Abra mão de sua liberdade, ou pelo menos de boa parte dela”. (p.10)

 

BAUMAN: CONFIANÇA E MEDO NA CIDADE

“As cidades se transformaram em depósitos de problemas causados pela globalização. Os cidadãos e aqueles que foram eleitos como seus representantes estão diante de uma tarefa que não podem nem sonhar em resolver: a tarefa de encontrar soluções locais para contradições globais” (p.32)

Estudar fenômenos discursivos nas cidades globais parece ser hoje, de fato, estratégico.

“(…) a transformação nasce dos efeitos produzidos por um duplo movimento: por um lado, é nas grandes áreas urbanas que se concentram as funções mais avançadas do capitalismo, que tem se reacomodado segundo uma lógica de rede, cujos núcleos estruturais são justamente os centros globais.” (p.8)

Por outro lado, “as cidades tornam-se objeto de novos e intensos fluxos de população e de uma profunda redistribuição de renda: seja nos bairros nobres, com a formação de uma elite global móvel e altamente profissionalizada, seja nos bairros populares, com a ampliação dos cinturões periféricos, onde se junta uma enorme quantidade de populações deserdadas”. (p.8)

“A aguda e crônica experiência da insegurança é um efeito colateral da convicção de que, com as capacidades adequadas e os esforços necessários, é possível obter uma segurança completa. Quando percebemos que não iremos alcançá-la, só conseguimos explicar o fracasso imaginando que ele se deve a um ato mau e premeditado, o que implica a existência de algum delinquente”. (p.15)

Ideia construída “sobre a areia movediça da contingência: a insegurança e a ideia de que o perigo está em toda a parte são inerentes a essa sociedade” (p.16).

O período pós-moderno – que alguns autores denominam modernidade tardia – seria caracterizado pela desregulamentação:

Quando a solidariedade é substituída pela competição, os indivíduos se sentem abandonados a si mesmos, entregues a seus próprios recursos – escassos e claramente inadequados. A corrosão e a dissolução de laços comunitários nos transformaram, sem pedir nossa aprovação, em indivíduos de jure (de direito); mas circunstâncias opressivas e persistentes dificultam que alcancemos o status implícito de indivíduos de facto (de fato)” (p.21).

Aqui está em jogo uma questão nacionalista, com todos os problemas que envolvem utilizar este termo: os poucos países que relutam em abandonar o Estado social protetor – “proteções institucionais transmitidas pela modernidade sólida” – veem-se como “fortalezas assediadas por forças inimigas” e consideram “os resquícios do Estado social um privilégio que é preciso defender com unhas e dentes de invasores que pretendem saqueá-los” (p.20-21).

Os inimigos são todos os “estranhos” (Simmel, 1983 [1908]; Bauman, 2009) e, em especial, os imigrantes, que lembram que os muros podem ser derrubados e as fronteiras ultrapassadas. É um dos aspectos mais vívidos da globalização e, notavelmente, uma ameaça para o sistema de proteção social a duras penas alcançado ao longo de décadas.

Os estrangeiros passa a fazer parte, mais frequentemente, tidos como não-assimiláveis, o que Bauman chama de “classes perigosas”. No discurso xenofóbico – ou mixofóbico, como denomina o autor –, os imigrantes são supérfluos, inúteis, inábeis para o trabalho.

(…) o espaço da primeira fila está normalmente ligado às comunicações globais e à imensa rede de trocas, aberto a mensagens e experiências que incluem o mundo todo”. (p.26)

Na outra ponta do espectro, encontramos as redes locais fragmentárias, muitas vezes de base étnica, que depositam sua confiança na própria identidade como recursos mais precioso para a defesa de seus interesses e, consequentemente, de sua própria vida.” (p.26)

Os cidadãos da “primeira fila” não estão interessados nos negócios de sua cidade, que possui uma significação reduzida quando comparada à morada privilegiada, que é o ciberespaço. Os demais estariam condenados, segundo aponta, “a permanecer no lugar”, com suas atenções voltadas inteiramente para as “questões locais”.

Ao mesmo tempo, Bauman aponta uma estreita relação entre as “pressões globalizantes e o modo com as identidades locais são negociadas, modeladas e remodeladas”. Cabe, então, questionar o que há por detrás desta dinâmica urbana. As localidades – a “comunidade”, o “local”, a “existência” – parecem se constituir, de fato, de construções dinâmicas, em formação, ou como conclui o autor:

Na verdade, a linha que separa o espaço abstrato dos operadores globais (…) daquele espaço físico tangível, “aqui e agora” no mais alto grau, da “gente do lugar” só pode ser traçado no mundo etéreo da teoria, em que os conteúdos emaranhados dos mundos-de-vida humanos são inicialmente “colocados em ordem” e depois classificados e arquivados: cada um em seu compartimento, por razões de clareza”. (p.29)

 

Bauman: o espaço público

Um espaço é público à medida que permite o acesso de homens e mulheres sem que precisem ser previamente selecionados. Nenhum passe é exigido, e não se registram entradas e saídas. Por isso, a presença num espaço público é anônima, e os que nele se encontram são estranhos uns aos outros, assim como são desconhecidos para os empregados da manutenção. Os espaços públicos são os lugares nos quais os estrangeiros se encontram. De certa forma eles condensam – e, por assim dizer, encerram – traços distintivos da vida urbana. É nos locais públicos que a vida urbana e tudo aquilo que a distingue das outras formas de convivência humana atingem sua mais completa expressão, com alegrias, dores, esperanças e pressentimentos que lhe são característicos”. (p.69-70)

 

(…) vamos em busca de diferenças justamente para legitimar as fronteiras” (p.75).

(…) por inúmeros motivos, os imigrantes tornaram-se os principais portadores das diferenças que nos provocam medo e contra as quais demarcamos fronteiras”. (p.80)

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *