“O paraíso do pluralismo na TV continua sendo um sonho”, afirma pesquisadora grega em visita ao Brasil

Por Gustavo Barreto (*)

A televisão proporciona um conteúdo homogêneo, pouco educativo, americanizado e sensacionalista. Se nos tempos da ditadura militar o conteúdo era controlado pelo governo militar e pouco pluralista, com a entrada das tevês comerciais e públicas no cenário nacional não ocorreram melhorias substanciais.

Muitos poderiam considerar que a afirmativa acima diz respeito ao Brasil ou à Argentina. Estão enganados. A análise é da pesquisadora Tessa-Anastasia Doulkeri, da Escola de Jornalismo e Comunicação de Massa da Universidade Aristóteles, falando sobre seu país, a Grécia.

Doulkeri esteve no Brasil, em um intercâmbio co-promovido pelo Programa de Educação Tutorial (PET) da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ. A palestra, que ocorreu na última quarta-feira (31/3) no campus da Praia Vermelha, abriu a disciplina de Jornalismo Internacional da ECO neste semestre.

A pesquisadora brincou sobre a relação entre o maior patrimônio cultural de seu país, os filósofos e suas grandes obras, e a comunicação social. “Como vocês sabem, na antiguidade não havia multimídia”.

Ela explicou que atualmente, na Grécia, o jornalismo é uma profissão aberta. “Você pode trabalhar em qualquer meio como jornalista sem a formação específica. Você pode participar de sindicatos, claro, o que é muito importante, mas não necessariamente com o diploma de jornalista.”

Público e privado

Na Grécia, segundo Doulkeri, há muitas universidades privadas. Entre as estrangeiras há uma francesa e “muitas americanas” – que não são reconhecidas, no entanto, pela Constituição. Ela afirmou, no entanto, que os jornalistas gozam de grande influência. “É comum afirmar que, depois do Legislativo, do Judiciário e do Executivo, está posicionado o quarto poder, que são os meios de comunicação. Na Grécia, no entanto, a mídia é o primeiro poder. Ela vem antes dos demais”.

A pesquisadora afirmou que os jornalistas de meios de comunicação de massa ganham muito dinheiro e influenciam frequentemente as decisões do governo. “Assim como Dom Pedro II considerava o Poder Moderador como o quarto poder, na Grécia ele pertence aos jornalistas”, comparou. “Não é todo o jornalismo, claro, porque existe aquele jornalismo que não tem dinheiro”, brincou.

Ela criticou o fato de a venda dos jornais e revistas estarem vinculados cada vez mais, há pelo menos dez anos, à venda de materiais multimídia, como DVDs e CDs promocionais. “Compramos revistas apenas pelos produtos”.

Doulkeri observou que na maior parte dos países as TVs públicas, ao contrário das comerciais, não possuem publicidade. “Na Grécia, também as televisões públicas possuem publicidade, além de serem sustentadas por uma parcela da conta de luz de toda a população grega. Por conta disso, o salário na TV pública é muito alto”.

Quando perguntada sobre o número de canais de TV que possuem uma rede nacional, afirmou: “Depende”. Doulkeri explicou que não existe licenças de concessão de emissoras de TV, como no Brasil e em outros países. “Existem 8, 9 canais. Depende do mês”.

Ditaduras modernas e pós-modernas

Como em muitos lugares em todo o mundo, a Grécia esteve durante um período de sua história (1967 a 1974) nas mãos de ditadores. Apoiados, como é comum, pela diplomacia e pelos militares norte-americanos.

O rígido controle governamental se estendeu à televisão. Após esse período, conta a pesquisadora, foi surgindo pouco a pouco uma nova geração, até se consolidar a atual. Sua principal característica: a homogeneidade. “As informações são todas muito parecidas. Temas como crise econômica, por exemplo, são comentados sempre pelas mesmas pessoas, que surgem em um canal às 8h e em outro às 9h. Não há pluralismo, então é como o monopólio estatal das ditaduras, tanto nas TVs públicas quanto nas privadas”.

Outro problema apontado por ela é a excessiva ‘estrangeirização’ da mídia. “Mesmo os nomes das TVs são muito americanizados. Não são exatamente em inglês, são sobretudo norte-americanos”. Ela apontou que palavras em inglês são utilizadas usualmente na televisão e mesmo programas inteiros são passados em inglês.

Doulkeri destacou que sua pesquisa identificou que os principais programas da TV grega são os “game shows” – como os programas em que ‘jogos de amor’ são travados entre homens e mulheres; os “reality games”, como o Big Brother grego; As séries de TV, quase todas americanas; e as novelas gregas – na verdade, quase todas traduzidas a partir de produções latino-americanas.

“Há poucos programas de educação, que em geral são comprados do exterior”, lamentou. A pesquisadora afirmou que são bastante populares os programas de notícias, que se assemelham a “revistas de variedades”. Ela criticou o fato de as TVs públicas – três, no total – estarem sob forte interferência do governo, enquanto que as TVs comerciais são fortemente influenciadas pelo lucro e pelos anunciantes privados.

Outro aspecto apontado que se assemelha à realidade do Brasil é a prevalência de conteúdos sensacionalistas, que exploram problemas familiares ou assassinatos e outros casos policiais. Os programas de auditório, por sua vez, dão maior ênfase ao espetáculo, em detrimento de debates sobre temas diversos. Com isso, o número de pesquisadores e outros estudiosos que são chamados a dar suas opiniões é cada vez menor, dando lugar à ocupação cada vez maior de artistas em geral.

Ela explicou que considera a pesquisa no campo da televisão muito importante, por se tratar ainda do meio mais popular em todo o mundo. Na Grécia, enquanto 50% das pessoas têm acesso à Internet, a quase totalidade dos gregos possuem TV e são fortemente influenciados por seu conteúdo.

Falso pluralismo

Doulkeri afirmou que os proprietários e produtores de meios de comunicação de massa possuem uma justificativa para manter conteúdos de qualidade duvidosa no ar. “Segundo eles, este é o tipo de informação que o público deseja. É por isso que eles continuam a transmitir os mesmos programas”. Ela lembrou, no entanto, que a medição da audiência é falha.

Um telespectador grego que aceite o medidor em sua TV frequentemente recebe gratificações e outros presentes, o que influencia no resultado. Na Grécia, um país pequeno, a amostragem para a realização de uma pesquisa é relativamente baixa, de apenas 400 a 500 pessoas. Ela colocou em questão a empresa que realiza as pesquisas de audiência. “Não é provado que o público goste de fato do que vê. Pela Grécia, em todo o lugar que dou palestras, as pessoas demonstram insatisfação com a TV”.

Ela criticou também a excessiva homogeneidade existente no país. “Aquele suposto poder que o telespectador teria de mudar o canal não existe na Grécia, pois todas as opções se assemelham”. Doulkeri questionou o fato de poucas pessoas em seu país protestarem contra a falta de qualidade da televisão. “Se a maior parte das pessoas reclama, porque não fazem nada? Protestamos sobre muitas coisas, salário, direitos trabalhistas, etc, mas não contra a televisão”.

Uma de suas pesquisas apontou que o público grego compra aparelhos de televisão por três motivos fundamentais: para fazer companhia ao usuário, para acessar entretenimento gratuitamente e por simples imitação (todos compram, logo todos irão comprar). “O paraíso do pluralismo, do respeito pelos princípios da objetividade e da imparcialidade, a educação para todos, a democratização, tudo isso continua sendo um sonho”, concluiu a pesquisadora grega.

Intercâmbio acadêmico

Doulkeri incentivou a realização de intercâmbios acadêmicos entre a UFRJ e a Universidade de Aristóteles, a maior instituição de ensino superior da Grécia, localizada em Salônica. Quando informada sobre a quantidade de habitantes do Brasil, ela riu – a população da Grécia é equivalente à do Estado do Rio de Janeiro, algo entre 11 e 12 milhões de pessoas.

Ela informou que a universidade também possui diversos programas de curta duração – de 3 a 4 semanas – sobre temas como jornalismo, comunicação, relações internacionais e Grécia moderna.

Sobre Tessa-Anastasia Doulkeri

De passagem pelo Brasil, a pesquisadora grega Tessa Doulkeri leciona comunicação na maior universidade da Grécia, a Universidade Aristóteles, que fica localizada em Salônica, segunda maior cidade da Grécia. Formada em Direito pela Universidade Aristóteles, é Mestre em Sociologia pela Universidade de Sorbonne e em Ciências Políticas e Direito Público pela Universidade Aristóteles. Seu Doutorado é na área de Ciências da Comunicação, também pela Universidade de Sorbonne.

Já trabalhou como consultora na União Europeia (Bruxelas), no Conselho da Europa (Estrasburgo) e na televisão francesa (Paris). Lecionou na Universidade de Atenas como professora assistente. Suas publicações (livros e artigos) dizem respeito a temas diversos como televisão (questões sócio-político-legais), igualdade de gênero, publicidade (comercial e política), as crianças e os meios de comunicação de massa, bem como esportes e mídia.

Sobre a disciplina de Jornalismo Internacional na UFRJ

A disciplina de Jornalismo Internacional é oferecida pelo Programa de Educação Tutorial (PET) da ECO-UFRJ, sob coordenação do professor Mohammed ElHajji. A disciplina acontece toda quarta-feira do primeiro semestre de 2011, das 19h às 20h, no Núcleo de Imprensa da ECO/UFRJ (Campus Praia Vermelha).

Neste semestre, está sendo ministrada pelo doutorando do Programa de Pós Graduação em Comunicação e Cultura da ECO/UFRJ, Gustavo Barreto, com apoio de integrantes do Programa de Educação Tutorial (PET) e do Laboratório de Comunicação Social Aplicada (LACOSA) da UFRJ, ambos vinculados à Escola de Comunicação.

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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