Um caso de tráfico de portugueses para o Brasil? Um incidente em julho de 1935

Por Gustavo Barreto (*)
Trecho da capa d'O Globo de 6 de agosto de 1935.

Trecho da capa d’O Globo de 6 de agosto de 1935.

Uma matéria aparentemente insignificante foi publicada no jornal O Globo, com foto, no dia 25 de julho de 1935. Nela, o diário registra por meio de um repórter-amador que “alguns” imigrantes portugueses foram impedidos de desembarcar pelas autoridades, mas posteriormente foram liberados e alojados na hospedaria da Ilha das Flores. O jornal não informa o número de imigrantes, o motivo da imigração e nem mesmo o motivo pelo qual teriam sido impedidos de desembarcar.

Pouco depois, no dia 6 de agosto, com a polêmica já tendo tomado forma, O Globo estampa na primeira página cinco manchetes seguidas: “Desembarcam os immigrantes portuguezes. Mas o ministro do Trabalho faz sérias advertencias. Verdeiro commercio de immigração! Escandalosas revelações do inquerito effectuado pelo D.N.P.1 sobre as fraudes nos documentos de immigrantes. Será interpellado o Itamaraty e advertido o consul brasileiro em Lisboa”.

O jornal informa que 28 portugueses haviam desembarcado na Ilha das Flores, por determinação do Departamento Nacional de Povoamento, mas como não estavam com a documentação regularizada, abriu-se um inquérito sobre o tema. Uma comissão apurou, informa o diário, que o coronel Eneas Paiva, residente na capital carioca e dono de uma fazenda em Bananal (SP), estava realizando um “verdadeiro commercio de immigração”.

Em Portugal, diz a comissão citada pelo jornal, intermediários exigiam de cada imigrante entre 2.500 e 4 mil escudos2. Uma das “acusações” era a de que apenas 13 deles declararam-se agricultores, tendo os demais profissões diversas como serradores, domésticos, pedreiros e barbeiros, entre outros. O ministro do Trabalho pediu investigações e esclarecimentos às demais autoridades sobre o que classificou como “comércio de introdução irregular de imigrantes”. O jornal responsabiliza ainda uma agência de viagens pelo envolvimento no caso.

A matéria, como era comum no jornal dos Marinho, não vem seguida de qualquer reflexão ou contextualização sobre o tema, se limitando a reproduzir informações fornecidas pelas autoridades.

NOTAS

1 Departamento Nacional de Povoamento, órgão do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, criado por Getúlio Vargas em 1930 e responsável pela fiscalização da entrada de estrangeiros no país, bem como pela fiscalização dos serviços de imigração.

2 Moeda portuguesa até 2002.

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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