Seringueiros da Amazônia e ‘regatões’ árabes: união contra a exploração

Por Gustavo Barreto (*)
No detalhe da imagem, a imagem publicado no jornal O Globo de 12 de setembro de 1932 com a vista panorâmica da capital do então Território do Acre, com o rio Acre ao centro.

No detalhe da imagem, a imagem publicado no jornal O Globo de 12 de setembro de 1932 com a vista panorâmica da capital do então Território do Acre, com o rio Acre ao centro.

Uma extensa reportagem de um enviado especial d’O Globo – assina a matéria “P. Mattos” – à Amazônia registra sua viagem “subindo o rio Amazonas, rumo ao Acre”. A edição de 12 de setembro de 1932 do diário carioca registra o Brasil estrangeiro em algumas passagens, fruto da conhecida imigração ocorrida em toda a Amazônia.

Dentro da embarcação, o repórter descreve um dos tipos mais mais “característicos e curiosos dos rios da região amazônica” – o “regatão”. Quase sempre, diz, é um cidadão turco ou sírio e exerce o comércio em geral: “Compra, vende, troca de tudo e com todos, mas principalmente com os seringueiros que, fugindo ao dominio dos donos de seringaes, sentem tambem o desejo de ludibriar estes, caindo então nas garras daquelles que sugam até o ultimo producto do seu labor”.

Segundo o repórter, o “regatão” é considerado em geral um negociante fora da lei, mas ele explica que a legalização junto aos municípios acarreta impostos tão altos que tornariam a prática do comércio quase impossível. “Nessas condições, elles negociam sem licença, sendo perseguidos”, afirma, acrescentando que os donos dos seringais também os repudiam pois “nelles veem um concorrente perigoso, por intermedio do qual muitas vezes se escoa a producção de seus latifundios”.

O repórter aponta que os proprietários locais promovem a dependência ao empregador por meio das dívidas – uma das práticas do trabalho escravo ou análogo ao escravo – e, justamente, uma das formas de fugir dessa situação é comprando diretamente com o “regatão”. O “regatão”, portanto, ajuda o seringueiro a fugir da servidão por dívidas, prestando um serviço valioso na região e atiçando a fúria dos exploradores da mão de obra.

Muitas vezes, descreve o jornalista, o seringueiro também driblava a lei e escondia “pelas” (ou bolas) de borracha para trocá-las por produtos com os comerciantes. Todos “fora da lei”, lutando contra a exploração desenfreada promovida pelos proprietários. O repórter continua a descrever a viagem pela “chatinha”, como era chamado aquele tipo de embarcação, rumo à capital acriana. Quando atraca em Rio Branco, conta, a “chatinha” passa a ser o ponto central da cidade, com os viajantes trazendo novidades de Belém e Manaus. À época, viajar de Belém para Rio Branco durava trinta dias, pelo rio.

O repórter explica que Rio Branco está dividida em três distritos: dois na margem direita do rio (Empreza e Bairro Quinze) e um na margem esquerda (Pennapolis), além de uma zona mais para o interior, Colonias, depois de Pennapolis. “Empreza” é o distrito que antigamente dava o nome à atual cidade de Rio Branco, explica o repórter, mas a população a chama de outro nome: Beyruth. O motivo: este era o lugar preferido pelos negociantes geralmente de origem turca ou síria. Beirute, como se sabe, é a capital do Líbano. Enquanto “Empreza” era o bairro comercial, “Pennapolis” era o centro administrativo da cidade. A região, enriquecida pelo “ouro negro”, passava naquele momento por uma fase decadente devido ao fim do primeiro ciclo da borracha, ainda no início dos anos 1910.

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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