“Dois séculos de imigração no Brasil pela imprensa” – www.midiacidada.org – é um site que busca contar a História das migrações internacionais no país a partir de relatos da imprensa lida e/ou produzida no Brasil.
A iniciativa é, na verdade, uma pesquisa de Doutorado que será apresentada no início de 2015, na Escola de Comunicação da UFRJ. O site oferece uma plataforma interativa, em que qualquer pessoa poderá comentar os textos que deverão compor a tese.
Até fevereiro de 2015, serão publicados toda semana pelo menos dois textos sobre o tema. Lançada em março de 2014, a plataforma já conta com 10 publicações.
A pesquisa sobre os imigrantes proporciona uma profunda reflexão, curiosamente, sobre o que é ser “brasileiro” – e como o pensamento dos formuladores de políticas de imigração no Brasil foi determinante para moldar esse conceito.
Inicialmente, a pesquisa divide o período de 1818 até os dias de hoje em cinco etapas, contendo também outros textos gerais publicados na seção “Etc”.
A autoria é do pesquisador Gustavo Barreto, sob orientação do professor Mohammed ElHajji (coordenador do site oestrangeiro.org). A qualidade da hospedagem do site é garantida pela empresa Axent.
O projeto
Por Gustavo Barreto (*)
Esta tese busca investigar a fundo o desenvolvimento do discurso sobre o imigrante em pouco menos de dois séculos da História do Brasil (1818-2018) a partir de registros da mídia jornalística impressa circulante no país.
A pesquisa será feita a partir de fontes secundárias (como publicações sobre a História da imprensa no Brasil e artigos técnicos) e primárias (acervos dos Arquivos Históricos e dos jornais e revistas jornalísticas).
A escolha por este meio de comunicação se dá pelo fato de que este foi o único que circulou durante todo o período da pesquisa. Os meios não são, destaca-se, unicamente brasileiros, visto que muitas das fontes históricas disponíveis remetem a jornais estrangeiros – ora jornais europeus que circulavam no Brasil, ora publicações elaboradas pelos próprios imigrantes e que acabaram por se tornar referências históricas.
O período desta pesquisa é de 1818 a 2018, pelos critérios definidos a seguir. Destaca-se que até 1819, os imigrantes em território brasileiro eram fundamentalmente os portugueses colonizadores, outros europeus em menor número e os escravos, trazidos como mercadoria principalmente da África Subsaariana.
O ano de 1818 foi escolhido devido ao primeiro registro oficial de imigração subvencionada pelo Estado: D. João VI, buscando substituir a mão-de-obra escrava, assina um decreto criando núcleos de colonização. Um ano depois, chegam às terras de Cantagalo – atual Nova Friburgo, no região serrana fluminense – as primeiras 30 famílias suíças de trabalhadores agrícolas. Os períodos — ainda em definição — são os seguintes:
1818 a 1870, quando o número de entradas era considerado irrisório (não excedia 3 mil pessoas ao ano) ou, segundo outras fontes, possuía precária documentação;
1871 a 1889, por conta da realização do primeiro censo nacional (1972), da intensa discussão pública sobre o papel dos imigrantes na imprensa e da instituição, com a proclamação da República, do registro civil no Brasil, o que facilitou a coleta de dados;
1889 a 1934, marcando o período que vai da proclamação da República até a aprovação, durante a Constituinte, da política racista do Estado Novo que definiria qual era o imigrante “desejável”;
1934 a 1980, marcando o início dos ideais eugenistas do primeiro governo de Vargas até a publicação da lei do estrangeiro, ainda em vigor, e de uma mudança no perfil dos imigrantes no Brasil, que já começava a tomar forma em meados dos anos 1970;
1981 a 2018, que trata do período contemporâneo, no qual o Estado brasileiro, ainda com uma legislação atrasada, busca atrair estrangeiros “qualificados” enquanto não define sua política para os “outsiders” (Elias&Scotson, 1994) ou os “refugos humanos” (Bauman, 1999), notavelmente os imigrantes pobres e refugiados.
Esta tese, de minha autoria, é orientada pelo professor Mohammed ElHajji (ECO/UFRJ) — também coordenador de oestrangeiro.org — e está prevista para ser finalizada formalmente em fevereiro de 2015, com uma continuação neste espaço até 2018, quando se completa o ciclo de dois séculos de História dos migrantes internacionais na imprensa.
Contato: midiacidada.org/contato
Fundamentação teórica
Desde meados do século XIX, a identidade brasileira é pensada como resultado da fusão de três “raças” formadoras da nacionalidade – o branco, o índio e o negro. “A participação do negro, entretanto, apresentava problemas. Vindo e vivendo como escravo, considerado como inferior, o negro se integra à nação através da miscigenação, mas não encontra lugar na construção ideológica da identidade brasileira”. (Oliveira, 2001, p.9)
Por sua vez, o índio é reconhecido, porém de um modo romantizado – uma imagem distante do índio histórico, quase dizimado. Sua população foi reduzida a 10% dos 5 milhões de indígenas que viviam no Brasil, antes do início da ocupação pelos portugueses no início do século XVI, e os que ficaram possuem profundas marcas decorrentes deste processo histórico.
A ciência do final do século XIX considerava a mistura de raças um mal, pois era hegemônica a crença de que a produção de seres híbridos reunia o pior de cada uma das “raças” e, com isso, o Brasil não teria lugar entre as nações civilizadas do mundo. No início do século XX, muitos intelectuais brasileiros construíram a ideia de que o processo seletivo de miscigenação, priorizando imigrantes brancos, era a estratégia adequada para tornar o país mais desenvolvido racialmente – a teoria do “branqueamento”.
Segundo Lesser (2001), a ideologia das elites nacionais, durante os séculos XIX e metade do XX, visava promover a integração de “imigrantes desejáveis”, que viriam a embranquecer o país (principalmente alemães, portugueses, espanhóis e italianos). Por outro lado, o “medo do ativismo social e trabalhista” por parte destes imigrantes também foram aspectos que, a partir de meados do século XX, começaram a ser avaliados pelas autoridades.
O próprio Estado brasileiro adotou medidas de controle e regulação, de acordo com a perspectiva política e discursiva vigente, incluindo a criação de departamentos e associações voltadas especificamente para pensar a imigração nestes termos. Foi entre 1870 e 1930 que se deu um período de imigração em massa da Europa para a América. Estima-se que entre 31 e 40 milhões tenham atravessado o Atlântico – os números variam de acordo com a fonte –, migrando do Velho para o Novo Mundo. (Oliveira, 2001, p.9-11)
Os problemas e questões colocados quanto às ideias de raça, etnia, nacionalidade geram um profundo questionamento na construção das identidades. Lesser (2001), por exemplo, questiona: “O que significa ser publicamente reconhecido como brasileiro, e como a brasilidade é contestada? A partir de meados do século XIX, ambos os termos, bem como as ideias que ocultavam por detrás deles, tornaram-se cada vez mais arbitrários, criando o espaço necessário para que os recém-chegados se inserissem nos paradigmas sobre a identidade nacional, ou que modificassem esses paradigmas.” (p.20)
Os imigrantes, cuja participação nas questões sociais, políticas e culturais brasileiras foi decisiva, se beneficiaram de uma conclusão elaborada por Lesser que, em tempos de aceleração das transformações tecnológicas de transportes e das comunicações, está cada vez mais evidente: uma identidade nacional única ou estática jamais existiu. “[…] A própria fluidez do conceito fez que ele se abrisse a pressões vindas tanto de baixo quanto de cima.” (Idem)
Conforme aponta Lesser, havia um discurso elitista que propunha a etni-cidade – ou seja, o pertencimento hifenizado – como uma “traição”, com o propósito de constranger e coagir os imigrantes a aceitarem a identidade nacional “única”. No entanto:
[…] os imigrantes e seus descendentes desenvolveram maneiras sofisticadas e bem-sucedidas de tornarem-se brasileiros, alterando a ideia de nação, tal como proposta pelos que ocupavam posições de domínio. A tese de que as concepções de identidade nacional de elite foram formuladas com base na eliminação das distinções étnicas deve, portanto, ser modificada, de modo a incluir os desafios progressivamente incorporados nos conceitos de brasilidade. (Lesser, 2001, p.20)
Essa “percepção” foi amplamente adotada por parte da imprensa de grande circulação, que sempre esteve vinculada, de alguma forma, a braços dos poderes de suas épocas. Afirmavam os jornais, sutilmente, que os inimigos eleitos era os “estranhos” (Simmel, 1983 [1908]; Bauman, 1998, 2003 e 2009) e, em especial, os imigrantes, que lembram que os muros podem ser derrubados e as fronteiras ultrapassadas. É um dos aspectos mais vívidos da globalização e, declaradamente, uma suposta ameaça para o sistema de proteção social a duras penas alcançado ao longo de décadas – segundo esse argumento, que ainda hoje persiste mas que, no século XIX, tinha outro contexto.
Os estrangeiros passam a ser, mais frequentemente, tidos como não-assimiláveis, o que Bauman denominou como as “classes perigosas”, em oposição aos “imigrantes desejáveis”. No discurso xenofóbico – ou mixofóbico –, alguns imigrantes são supérfluos, inúteis, inábeis para o trabalho, enquanto outros são apontados como a solução para grande parte dos males de um país em construção.
Esta construção poderia ser tanto do tipo desenvolvimentista – braços para a agricultura no século XIX – quanto culturalista (e supostamente científico) – europeus ou japoneses que tratariam de “embranquecer” e melhorar nossa genética.
No cenário contemporâneo, alguns estudos recentes apontam para a continuidade desta lógica que, por um lado, trata os haitianos e bolivianos como ameaças ao desenvolvimento, e por outro a mão de obra qualificada vinda da Europa como necessária para o progresso do país. Mantém-se a face “culturalista” do “imigrante desejável” (em geral branco e europeu ou muito qualificado), porém não mais a partir do pretexto “científico”, e sim “desenvolvimentista”.
O caráter excludente deste tipo de pensamento se confirma na rejeição por parte da elite brasileira dos médicos cubanos que, apesar de qualificados e portanto “úteis”, são oriundos de um país cuja população é majoritariamente negra e mestiça.
Referências bibliográficas (ainda em construção)
- APPADURAI, Arjun. Dimensões Culturais da Globalização: A modernidade sem peias. Lisboa, Editorial Teorema, 2004.
- BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
- _________________. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.
- _________________. O mal-estar da pós modernidade. Rio de janeiro, Jorge Zahar, 1998.
- BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.
- HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais de nosso tempo. In: THOMPSON, Kenneth. Media and Culture Regulation. Inglaterra: The Open University, 1997. Disponível em: <www.ufrgs.br/neccso/word/texto_stuart_centralidadecultura.doc>. Acesso em: 04 out. 2010.
- ___________. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
- HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismo desde 1780: Programa, mito e realidade. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008 (1990).
- LESSER, Jeffrey. A negociação da identidade nacional: Imigrantes, minorias e a luta pela etnicidade no Brasil. São Paulo: Editora UNESP, 2001.
- OLIVEIRA, Lucia Lippi. O Brasil dos imigrantes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
- SANTOS, Antonio Raimundo dos. Metodologia científica: a construção do conhecimento. 7. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007.
- SIMMEL, Georg. O estrangeiro [1908]. WOLFF, Kurt (org.). The Sociology of Georg Simmel. New York: Free Press, 1950, pp. 402-408. Disponível em <http://midiacidada.org/img/O_Estrangeiro_SIMMEL.pdf>. Acesso em: 01 out. 2010. Texto também disponível em português in: MORAIS FILHO, E. de (org.). Georg Simmel: Sociologia. São Paulo: Ática, 1983.
- ______________. Questões Fundamentais da Sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.
- YÚDICE, George. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2004.
Sugestões de quaisquer tipo são bem-vindas!
(*) Gustavo Barreto é formado pela Escola de Comunicação da UFRJ, onde obteve o título de Mestre (2011) e Doutor (2015) em Comunicação e Cultura 2011.
ATUALIZAÇÃO: o trabalho de Doutorado foi entregue em março de 2015 à banca na UFRJ e aprovado. Está disponível clicando aqui.
Felizmente parte dos brasileiros natos, assim como eu! Utilizem a melhor forma de expulsar invasores do nosso continente. Felizmente, alguns imigrantes são de boa índole, mas em sua maioria, apenas estão no Brasil para contribuir com a criminalidade ou tomar empregos dos brasileiros que se esforçam para ganhar um salário +/-, e nós brasileiros nacionalistas devemos pagar despesas medicas no SUS para todos que chegam “refugiados” no Brasil. Milhares de mulheres vindas da Bolívia, Africa, Taiti estão tendo filhos e mais filhos. Aumentando o gasto do brasileiro no pagamento de impostos, para estes desfrutarem até de “benfeitorias” governamentais que acabam trazendo revolta a todo cidadão eleitor (apenas por referência a brasileiros que podem votar).
Infelizmente se não pararmos com esta entrada de imigrantes, certamente teremos uma pobreza exacerbada e sem controle, pois, todos vem ao Brasil para reduzir nossas riquezas e reerguer o país na qual estão distantes. Afinal a maioria dos que residem fora do Brasil que são do Brasil, sabem que o Brasil é maravilhoso. Pena que não temos armas para iniciar uma guerra civil contra todos esses políticos. Seria bom se pudéssemos destruir todo o senado (Brasilia), juntamente com a Constituição Federal que serve apenas para livrar bandidos, dentre estes imigrantes e nós cidadãos estamos a merce, desarmados e despreparados para qualquer conflito futuro.
Quando você for fazer o PHD, tenta lembrar destas coisas que escrevi. Certamente em 50 anos a frente você verá o Brasil falido, por conta de hipocritas que preferem fazer o que acham necessário aos Direitos Humanos!
Uauuuu!!! Parabéns pelo belíssimo trabalho, Gustavo!
Estou construindo minha árvore genealógica e parte dela vem da história dos imigrantes que povoaram Domingos Martins, no estado do Espírito Santo. Famílias: Stein, Gilles, Helmer e Raasch.
Felizmente, em meio as buscas na internet, encontrei seu site e ele será muito útil para mim; pois além do nome dos meus ancestrais, eu quero também conhecer a sua história: pomeranos, alemães, etc…
*Tenho ainda, ancestrais Portugueses, Espanhois e Indigenas, rs.
Eu conheço muito pouco da história do mundo e muito menos do Brasil; mas já aprendi o bastante da história da vida para entender que devemos aprender com os erros do passado e que o amor ao próximo deve ser o único sentimento a ser transferido de uma geração a outra.
Abraço fraterno.
Acabei de encontrar o site, e já estou amando o conteúdo!
Baixei sua tese e vou começar a ler, Espero que ajude na minha dissertação de mestrado.
Estudo a presença mercenária irlandesa no Brasil a partir do Aurora Fluminense, e vi que você chegou a fazer menção sobre isso…
Bem legal mesmo encontrar o seu trabalho!