Por que teve fim a escravidão?

Por Gustavo Barreto (*)
O Senado brasileiro, cedendo a um lobby de muitos capitalistas da época, aprova a lei que aboliu definitivamente a escravidão no país, no dia 13 de maio de 1888, complementando outras medidas como a Lei Eusébio de Queirós (1850) e a Lei do Ventre Livre (1871). Em volta e do lado de fora, uma multidão assiste ao ato solene.  Crédito da imagem: Antônio Luiz Ferreira

O Senado brasileiro, cedendo a um lobby de muitos capitalistas da época, aprova a lei que aboliu definitivamente a escravidão no país, no dia 13 de maio de 1888, complementando outras medidas como a Lei Eusébio de Queirós (1850) e a Lei do Ventre Livre (1871). Em volta e do lado de fora, uma multidão assiste ao ato solene.
Crédito da imagem: Antônio Luiz Ferreira

“Se um colono não paga pontualmente a renda da terra, põe-n’o fóra e vem outro. Negocio liquido e facil, que não obriga a nenhuma despeza de administração.”

Assim argumenta um redator na edição de 20 de outubro de 1888 da Revista Illustrada1 — periódico carioca com sede na rua Gonçalves Dias, 50 — ao discutir a importância do fim da escravidão.

O alvo do articulista político do periódico, Julio Verim, era o conhecido líder político Conselheiro Lafayette, cujo nome foi posteriormente emprestado à cidade mineira de Queluz. Em 1934, Queluz passa a se chamar Conselheiro Lafaiete por meio de um decreto do governo estadual. O motivo: Lafayette Rodrigues Pereira (seu nome completo) nasceu em Queluz 100 anos antes, em 1834, e era um importante proprietário rural da região, antes mesmo de se tornar um influente político. Curiosamente, em buscas por seu nome pouco se destaca que tratava-se de um escravocrata.

O editorialista da Revista Illustrada dedica toda a primeira página da edição para criticar fervorosamente o “Sr. Lafayette”, classificando dois de seus discursos como “banais” e “inferiores ao talento do primeiro indivíduo que se apanhe na rua, ao acaso”, o acusando pela “falta de patriotismo” e o “fel [amargura, ressentimento] que distillam”.

O tema é a Lei Imperial n.º 3.353 — conhecida como Lei Áurea, que aboliu definitivamente a escravatura –, sancionada em 13 de maio de 1888. Lafayette, que também era jornalista e notável advogado, votara contrariamente ao orçamento da agricultura, quase todo dedicado à imigração e às estradas de ferro. O Illustrada o acusa de ter resistido ao fim da escravidão: “Tendo votado pela lei 13 de maio, só 5 mezes depois, o Sr. Lafayette achou que ella era má, e isto, quando o augmento das rendas fiscaes e o movimento do cambio estão provando, que essa lei foi, devéras, aurea”.

O editorialista faz menção a uma afirmação de Lafayette — o de que “os filhos perdoam a quem lhes mata os paes, mas não a quem lhe confisca os bens” — para destacar que “não houve confisco algum” (de terras por conta da abolição), ressaltando ainda que “se o houvesse nada mais justo. Vinguem os principios, soffra quem soffrer”.

O periódico argumenta está “demonstrado que a abolição é que dá valor á terra e que com ella os lavradores enriquecem em pouco tempo, mesmo os que estão hypothecados em quatro ou cinco bancos”.

A Revista Illustrada — como era comum naquele tempo — usa o exemplo dos Estados Unidos (ou pelo menos o que se acreditava ser o exemplo, segundo as informações disponíveis) para citar que, neste país, “os antigos escravocratas declaravam, hoje, que não sabiam como tinham feito tanta resistencia á abolição, porque ella foi a felicidade para elles”.

O argumento é transparentemente capitalista: “Emquanto tinham escravos, nunca as rendas chegavam para as despezas, vivam n’um inferno, com as vidas ameaçadas e empenhadas até os olhos. Acabada a escravidão [nos EUA], vieram os immigrantes, alugaram-lhes as terras, fizeram-n’as render dez vezes mais, e em pouco tempo, todos os ex-proprietarios de escravos reorganisaram suas fortunas”.

O objetivo era evidente: lucro. E rápido.

“Se um colono não paga pontualmente a renda da terra”, conforme citado anteriormente, “põe-n’o fóra e vem outro. Negocio liquido e facil, que não obriga a nenhuma despeza de administração”. O editorial acrescenta: “No Brazil, dar-se-ha o mesmo”.

NOTA

1 Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=332747&pagfis=3727&pesq=&url=http://memoria.bn.br/docreader#

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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