Paraty, 1854: Duas fazendas à venda, uma com 60 escravos, outra com 67 imigrantes
“Vendem-se na cidade de Paraty, duas fazendas, uma de caffé, e outra de canna, está com 60 escravos, e aquella com 67 colonos ; para mais informações dirijão-se ao Sr. N. Meuran, rua do Hospicio n. 58”
O redator do periódico carioca O Grito Nacional, na edição de 7 de fevereiro de 18541, observa que leu o anúncio publicado nos jornais Mercantil e Jornal do Commercio “com admiração e espanto”, fazendo “ligeiras observações” sobre o tema:
“Que os africanos, ainda que portuguezes, arrancados de sua terra, e pelo mais nefando contrabando, depois dos solemnes tratados firmados por todas as nações, de livres que são, sejão levados á condição de escravo, e com elles se mercadeje ainda hoje, como dos criminosos, mais impunes annuncios todos os dias e acceitos e publicados pelas folhas, que arrostárão compromissos, noticiando a fuga, o apparecimento, a compra e a venda delles como buçaes; sejão em seguida annunciados á venda em numero de 60 como os da fazenda de canna em Paraty, cujo annuncio serve de thema a este artigo, é em parte toleravel, porque bem poucos são os que no Brasil não gostão de ter pelo menos um escravo, para terem o gosto e o praser do CARRASCO, martyrisando todos os dias essas victimas; para terem o brazão de serem todos os dias apregoados como senhores!”
Mas os colonos – como eram conhecidos os imigrantes à época –, que estavam em número de 28 mil e chegaram entre 1849 e 1853, segundo o redator, “foragidos de sua terra por crimes de industria, a procura de fortuna neste abençoado paiz”, não deveriam ser igualados à condição dos “patricios escravos negros” e tratados como “escravos brancos”. O autor argumenta que os dois jornais – “que são tão escrupulosos”, ironiza – já se recusaram a publicar outros anúncios e, neste caso, deveriam usar o mesmo critério.
“Terião elles em vista dar maior ganho a aquelles que, contra as ordens do governo portugueza, traficão com a escravatura branca? Ou si para fazerem effectiva aquellas ordens, querem com effeito, que não como colonos, mas como escravos sejão reputados os ilheos que para aqui correm a exercerem suas industrias?”, questiona o autor, destacando que o silêncio “não deve nem póde servir de resposta”.
1O GRITO NACIONAL. E que tal! 7 fev. 1854. Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=341185&pagfis=2554&pesq=&url=http://memoria.bn.br/docreader#