Os refugiados não servem ao Brasil: são judeus ou comunistas, “alerta” revista pró-Estado Novo em 1940

Por Gustavo Barreto (*)
Trecho da edição de fevereiro de 1940 da revista Novas Diretrizes

Trecho da edição de fevereiro de 1940 da revista Novas Diretrizes

Editada por um dos principais ideólogos do Estado Novo (1937-45), o jornalista Antônio José de Azevedo Amaral, a edição de fevereiro de 19401 da revista Novas Diretrizes2 traz um texto sobre a imigração, tema frequente em suas edições. Intitulado “Problemas da imigração”, o artigo destaca que a questão imigratória é um dos principais temas da “Conferência dos Interventores”, que reunia os interventores nomeados por Getúlio Vargas nos estados.

Com os diversos avanços no desenvolvimento nacional, argumenta o texto – entre os quais a descoberta de petróleo em duas regiões do Brasil –, dois “problemas” tornam-se de “palpitante atualidade”: a promoção do “afluxo de capitais ao país” e a questão da imigração. “Ouro, isto é, capital, e energia humana inteligente e disciplinada, são os dois fatores de que depende o exito da expansão economica que se inicia”, diz o autor, acrescentando que o “problema da imigração é bem mais delicado e complexo que o da atração de capitais estrangeiros”.

No caso da “obtenção de elementos humanos capazes de contribuir para o progresso material do Brasil”, o autor argumenta que o “erro, imperdoavelmente cometido no passado acerca da questão imigratoria, foi exatamente encara-la de um ponto de vista exclusivamente trabalhista”. O Estado, acrescenta, não compreendeu as “responsabilidades múltiplas” que lhe cabiam nesse tema e deixou que “os interesses privados atuassem sem controle e fiscalização”.

Pensava-se apenas em obter trabalhadores, critica o texto, enquanto “nenhuma atenção era prestada aos aspectos políticos e raciais da imigração”. Felizmente hoje, comemora o autor, a “atitude do poder público é muito diferente”, pois “estamos aparelhados” com uma legislação que, em linhas gerais, é “satisfatória”. A “organização do Estado Novo”, diz, coloca ao alcance do governo “meios eficientes de atender aos casos concretos, modificando, quando conveniente, este ou aquele dispositivo legal, que não corresponda na pratica aos objetivos visados pelo legislador”.

Para o Novas Diretrizes, a questão se resume, agora, a “atender ás necessidades economicas que impõe um afluxo de imigrantes”, cuidando ao mesmo tempo de “eliminar causas de futuras contrariedades e de graves perigos para a nacionalidade”. Entre os “pontos fundamentais” em relação ao tema, que na visão do autor do artigo deveriam “constituir verdadeiros postulados”, está a “natureza particularmente delicada desse assunto no momento atual”. O autor argumenta que, com a guerra na Europa, têm ocorrido “movimentos migratorios anormais”. Em meio ao desenvolvimento econômico “acelerado” do Brasil, alerta, a “intensificação da entrada de imigrantes” no país exige “vigilancia muitissimo rigorosa”, afim de que se evite o afluxo de “elementos indesejáveis”, que “aqui se infiltraram disfarçados como bons imigrantes”.

Os imigrantes europeus “e de outras regiões do Velho Mundo”, diz o texto, “sob a pressão de causas políticas e de conflitos raciais”, não podem ser incluídos na categoria de “autênticos imigrantes”. Há de se fazer, argumenta o texto, uma rigorsa “distinção entre estes e os refugidos”, sendo que “qualquer transigencia neste ponto envolve sérias ameaças à segurança nacional e à tranquilidade da sociedade brasileira”. O próprio Novas Diretrizes que tem sustentado esta tese “há mais de um ano”, “insistentemente”. O autor do texto parabeniza autoridades argentinas por terem, recentemente, manifestado a mesma posição.

O texto argumenta ser “evidente” que o “imigrante desejavel” – que o autor classifica como “o estrangeiro que vem do seu país movido pelo desejo de elevar o seu nivel de vida e tentar fortuna pelo trabalho” – nada tem a ver com o imigrante que “emigra por ter se tornado política e socialmente incompativel com o seu ambiente nativo”.

Enquanto o imigrante desejável é uma “força nova, que vai contribuir para a propulsão do progresso nacional”, o refugiados é – para o Novas Diretrizes – um “descontente”, na grande maioria dos casos um “inassimilável”, cujas preocupações “permanecessem associadas aos motivos que determinaram o seu exílio”. Um dos problemas dos refugiados, argumenta o texto, é que este não traz a “mentalidade do trabalhador”. Pior: nas “condições em que saiu de seu país de origem”, afirma, é “quasi sempre um revolucionario”, uma ameaça à “segurança do Estado” e à “estabilidade da ordem pública”.

O Brasil carece, argumenta o autor, de “homens que se destinam ao trabalho dos campos ou, pelo menos, ao exercício de atividades nas zonas rurais e nas terras para onde o governo pretende levar a avançada da civilização”. Segundo ele, os refugiados que vêm do “centro e do oriente europeus, na sua totalidade, são elementos urbanos inadaptáveis à vida campesina”. O autor passa, então, aos ataques raciais: “A esmagadora maioria deles é constituída por judeus e não há quem ignore quanto é reprimível a repugnância do israelita pelo trabalho agrícola”. Os que não são judeus, acrescenta, são “operários industriais e empregados de profissões urbanas, fugidos à perseguição policial e que para aqui vêm com o deliberado propósito de fazer o proselitismo de suas idéas revolucionarias”.

“Aliás”, continua o autor, “convem dizer de passagem que os imigrantes judeus, na sua quasi totalidade – não seria mesmo exagerado dizer, sem exceção – são communistas ou pelo menos simpatisantes com o marxismo”. Por isso, não seria preciso dizer mais para acrescentar – argumenta a revista – para “pôr em evidencia o absurdo de considerar esses refugiados como imigrantes”, sendo por isso que – diz o texto – “todos os países estão lhes fechando os seus portos e fronteiras”.

O Novas Diretrizes afirma, citando o ministro das Relações Exteriores e em tom de alerta, que teriam entrado no Brasil no último ano, com passaportes regulares, mais de 7 mil “daqueles individuos”, números que “representam muitas vezes o total de todos os refugiados judeus aceitos como hospedes permanentes por todos os países do mundo juntos”, e ficando muito aquém dos dados reais. A revista acusa muitos imigrantes de terem entrado “disfarçados com uma cidadania americana, inglêsa, holandêsa, suiça e polonêsa graças á expansão das respectivas quotas de imigração”. Afirma a revista, sem citar fontes, que “temos milhares de clandestinos que entram pelas fronteiras do Rio Grande do Sul e Mato Grosso”.

Um dos interventores teria informado, diz a revista, que as autoridades do Rio Grande do Sul haviam descoberto uma organização israelita “cuja finalidade consistia em realizar aquele contrabando de refugiados”. O Novas Diretrizes conclui o artigo otimista: “Este e outros aspectos do problema imigratorio serão certamente examinados, com alto criterio e profundo senso patriotico, pela Conferencia dos Interventores”.

NOTAS

1 Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=122670&pagfis=1050&pesq=&url=http://memoria.bn.br/docreader#

2 Mais sobre a publicação em http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/novas-diretrizes

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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