Nova York: Um exemplo eficiente de como identificar e deportar ‘loucos, cégos, estropiados, mendigos ou criminosos’
O político republicano e jornalista Francisco Rangel Pestana, então proprietário do jornal A Província de São Paulo – atual O Estado de S. Paulo – aborda a questão da imigração na edição de 11 de setembro de 1883, defendendo a “imigração espontânea” e criticando a desorganização do governo brasileiro. Para isso, cita um artigo do periódico Brasil, da Corte portuguesa, tratando da imigração nos Estados Unidos.
O artigo citado faz referência ao “Relatorio annual dos comissarios de emigração de New-York”. O texto exalta, de um modo geral, o serviço de imigração novaiorquino: “Apenas lança o ferro o navio que transporta os immigrantes, é visitado por um official especial, que recebe as queixas, registra os nascimentos e obitos dados durante a viagem, etc., depois a Alfandega examina as bagagens, e os immigrantes são levados ao Castle-Garden, em um barco a vapor ou chalana especial”.
Lá, continua o artigo, “um dos chefes do deposito passa-o em revista, para vêr si entre elles há loucos, cégos, estropiados [mutilados], mendigos ou criminosos. Reenviando ao logar d’onde vieram todos esses inuteis ou perigosos”.
E destaca a situação, em especial, dos irlandeses: “Nos mezes de Junho e Julho d’este anno, attingiram a centenas os que tiveram de ser devolvidos á Irlanda, mendigos tirados dos asylos work houses e que o governo britanico procura exportal-os como immigrantes, para se vêr livre delles. (…) O anno passado deu-se o mesmo com a Suissa, mas os seus mendigos foram-lhe devolvidos. Só em 1882 voltaram, por esse motivo, á Europa 1.410 immigrantes”.
Ao passar por esta seleção – continua o artigo citado por Rangel – “todos os confortos são postos á disposição do immigrante”. Troca de moeda estrangeira “sem desconto”, interpretes “de todas as línguas europeas” são colocados à disposição, assim como comunicação por telegrama e correio. Por fim, um restaurante oferece-lhes, “por preços modicos”, os “melhores alimentos”: duas libras de pão por 10 centavos, uma libra de mortadela de Bolonha por 25 centavos, um charuto por 5 centavos, um pacote de fumo por 10 centavos, entre outros itens de primeira necessidade. “Aos immigrantes desprovidos de recursos dão viveres e mesmo comida gratis”, completa o artigo.
É citado também o excelente sistema de transporte – por trem – de Nova York. As linhas disponíveis, ressalta o diário, põem a cidade em comunicação com todos os pontos dos Estados Unidos, “e os bilhetes são entregues aos immigrantes sem intermediarios nem corretagens [comissão paga a um corretor]”.
O autor do artigo, após uma longa introdução sobre o sistema norte-americano de recepção de imigrantes, lembra que o governo também possui agências mantidas pelo governo, destacando no entanto “certos descuidos no serviço” e a “falta de ordens a tempo”, que causam constantemente “serios desgostos aos recem-chegados”. O próprio sistema prisional (de estrangeiros) e o abandono é criticado pelo articulista, que aponta que tais serviços precários fazem “eco” nos países da Europa.
“O systema de immigração entre nós não está sujeito a um systema, não é methodico, não inspira confiança. Com a immigração temos gasto dinheiro ás mãos largas. Parece-nos ser tempo de regularisal-a, de lhe dar outra direcção, livrando o Estado da responsabilidade directa do acolhimento e sustento do immigrante por longos dias e mezes”, resume sua posição. Rangel sugere que o serviço ficaria “melhor a cargo de uma associação, ainda que fossem concedidos certos e determinados favores do Estado”.