“Lowell, faça as reportagens que quiser, desde que não seja sobre nossos oito maiores patrocinadores”
O jornalista norte-americano Lowell Bergman (foto) mostra, de modo sereno e objetivo, que a mídia está repleta de interesses, alguns impronunciáveis. Mas confirma, pelo seu exemplo de vida, que o jornalismo investigativo e independente é e sempre foi possível: “basta” coragem.
“Repórter é provavelmente a melhor identificação que eu posso ter”, iniciou a conversa o jornalista veterano norte-americano Lowell Bergman. Seu trabalho mais notável – mas que não é, nem de longe, sua única grande reportagem – inspirou o filme O Informante (The Insider, Michael Mann, 1999, EUA), em que Al Pacino representa o próprio Bergman em uma das maiores disputas de toda a história entre os valores jornalísticos e o mundo corporativo. Bergman foi o produtor da edição do 60 Minutes, destacado programa da rede CBS, que expôs de forma brutal a indústria do tabaco e abriu um precedente sem paralelo na luta contra as sete maiores empresas do setor, à época.
Acompanhado do jornalista José Casado, Bergman falou a convite da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), na manhã desta terça-feira (03) no Rio de Janeiro. O jornalista fez recentemente uma série de reportagens sobre corrupção transnacional para a emissora onde trabalha atualmente, a PBS (rede pública norte-americana). Os vídeos podem ser acessados no especial “Business of Bribes”.
“Cheguem mais perto do palco para me ver melhor. Muitos de vocês me conhecem apenas pelo filme e, obviamente, eu não sou o Al Pacino”, brincou. Hoje, além da PBS, Bergman também dá aulas na Escola de Jornalismo de Berkeley, na Universidade da Califórnia, e foi por 10 anos repórter investigativo do New York Times, até 2008. Fundou ainda um Centro de Jornalismo Investigativo nos Estados Unidos.
O filósofo alemão Herbert Marcuse, uma das principais influências da chamada nova esquerda dos anos 60, foi professor de História da Filosofia de Bergman e seu mentor em San Diego, nos anos de 1968 e 1969. À época, em 1969 se não me engano, Bergman criou um jornal alternativo com um grupo de amigos. O motivo? “Só havia um jornal na cidade, que era muito, muito conservador”.
A pauta: “Procurávamos por pessoas que estavam lucrando com os serviços públicos”. O método: “Buscar nas colunas sociais, para ver quem era as pessoas mais importantes da cidade, quem mandava”. O jornalismo investigativo, avaliou, simplesmente não existia nos anos 60 nos Estados Unidos. “Era feito por pequenos jornais”. Ele afirma ainda que, na época, ele e seus colegas eram presos por produzir a publicaçaõ. “E quem vendia também. Isso acontecia quando começávamos a incomodar as pessoas poderosas. Você sabe, é comum observar este tipo de coisa em cidades pequenas. Esse tipo de retaliação, ou melhor, digamos que sejam opiniões negativas”, brincou.
Abaixo, outra cena do filme de Michael Mann. O informante de Bergman pondera, no exato momento em que testemunhará contra a indústria do tabaco. Sobre o tema, Bergman declarou hoje: “Você conseguirá que muitas pessoas falem no vídeo. Mas tente conseguir executivos de grandes empresas. É quase impossível. Jeffrey Wigand [representado no filme por Russell Crowe] foi provavelmente o segundo em toda a História”.
Bergman descreveu com muita serenidade as diversas dificuldades que já passou por sempre ter mantido uma posição crítica dentro do jornalismo. “Nunca acreditei que alguém me pagaria para fazer este tipo de trabalho”, brincou. “Olhando para a série sobre a indústria do tabaco, e tudo o que aconteceu, posso dizer que, se eu sobrevivi, é porque é possível sobreviver nessa profissão”.
A experiência de 41 anos no jornalismo lhe trouxe uma sabedoria peculiar. “Quando se quer fazer uma reportagem investigativa sobre multinacionais, é preciso procurar um ângulo criminal. Isso porque há, em geral, uma coisa que todos concordam: o crime não é uma boa ideia”.
Ele também fala da dificuldade de se falar sobre a empresa que se trabalha. “É possível que a própria empresa de jornalismo, seus chefes, estejam envolvidos em casos de corrupção. Ora, as pessoas frequentam as mesmas festas, são convidadas para as mesmas festas”, afirma. “Esta é a coisa mais difícil de se fazer: uma reportagem sobre a sua própria organização. Tenho certeza que o mesmo ocorre por aqui”.
O jornalista confidenciou que, ao propor uma pauta investigativa em uma emissora em que já trabalhou, durante os anos 90, ouviu de seu chefe: “Lowell, faça as reportagens que quiser, desde que não seja sobre nossos oito maiores patrocinadores”.
Ele confidenciou que o veterano jornalista Mike Wallace – já então apresentador do 60 Minutes na época do caso da indústria do tabaco – era, inclusive, ligado à Família Reagan [do ex-Presidente]. À época, com uma grande estória na mão, Bergman adotou a estratégia de fazer Wallace “comprar” a matéria como se fosse sua.
Bergman falou sobre um curioso momento, durante a primeira entrevista que manteve com Al Pacino. “Procurando dados para a atuação dele no filme, Al Pacino me perguntou por que, após 14 anos no cargo, com um bom salário, uma boa casa e muitas outras estórias para contar, eu decidi apostar tudo naquela reportagem”.
Na cena abaixo, os problemas entre a investigação jornalística e os interesses corporativos começam a ficar mais claros.
Voltando à questão, Bergman poderia ter dispensado a resposta. É notável que ele manteve durante toda a sua vida uma palavra que é muito rara entre jornalistas de hoje em dia: a coerência. Nunca desistiu de fazer jornalismo investigativo, mesmo em momentos extremamente difíceis. Entre outros lugares, Bergman já fez documentários em muitos lugares pelo mundo e, principalmente, no Oriente Médio. Sem contar, claro, com as dezenas de matérias investigativas sobre crimes de multinacionais.
Em breve, quem sabe, Bergman chega ao Brasil. Ao comentar sobre o site www.mainjustice.com, ele apontou – e enfatizou que seriam apenas pistas – que o Brasil poderia ser um dos grandes destinos de dinheiro ilegal. “O Departamento de Justiça notificou empresas multinacionais americanas por tentar corromper funcionários de Estado no terceiro mundo. E o país que liderava era o Brasil”.
Em uma conversa informal, durante sua visita ao país, um executivo brasileiro teria lhe dito que, de fato, “corrupção e negócios andam juntos”. “Por aqui – me disse ele – nós criamos dificuldades para vender facilidades”. Ele informou que uma lei recente e bastante avançada penaliza norte-americanos que tentarem corromper funcionários de Estado em qualquer lugar do mundo. “Agora, estão um pouco mais acuados por lá. Mas certamente viajam para outros países para fazê-lo”.
Para quem acha que é mais um estrangeiro falando do que não sabe, vale assistir a série da PBS (abaixo e nos vídeos relacionais, em 6 partes). E rever muitas das informações que nós, por aqui, identificamos como “jornalismo”.