Lacerda: governo não paga para ter refugiados da guerra e ainda quer empréstimo no Banco Mundial
Na edição de 27 de novembro de 1948 do Correio da Manhã1, o jornalista e político Carlos Lacerda se ocupa do tema da imigração, acusando – como de costume – o governo brasileiro de preterir a questão. No artigo intitulado “Imigrantes ou dólares”, o articulista lembra que o Brasil assinara, em abril do mesmo ano, um acordo com a então organização internacional que tratava do tema dos refugiados, a IRO (International Refugee Organization), para receber os então deslocados pela segunda guerra mundial.
Uma comissão mista dirigida por um delegado do governo brasileiro e um da IRO deveria ser formada, informou Lacerda, para abordar a questão. Havia pelo menos um milhão de deslocados pela guerra na Europa, sendo que o Brasil poderia receber por ano – segundo o acordo citado pelo autor – entre 5 e 15 mil imigrantes. Lacerda lembra ainda que a IRO é mantida por 15 nações, entre elas algumas que estão recebendo imigrantes, como Canadá, Venezuela, Estados Unidos e Inglaterra. Países como a China, argumenta ele, “não precisam de imigrantes” e, portanto, “se dispõe a pagar para que outros países, sem pagar, os recebam”.
Lacerda põe na ponta do lápis: o custo de cada imigrante, diz ele no Correio, é de cerca de 230 dólares, aproximadamente 4.600 cruzeiros. Para 5 mil imigrantes, portanto, são necessários cerca de 1,6 milhão de dólares. O jornalista argumenta que a IRO custeia a vinda deles no primeiro ano, com dois terços dos curtos totais – segundo ele – cobertos pela organização internacional. Lacerda insiste, como tem feito há algum tempo, que países como Argentina, Canadá e Estados Unidos – este último que “muitos julgam já plenamente desenvolvido – se aproveitam dessa oportunidade única, enquanto o Brasil perde estes imigrantes para a Rússia. Em sua tese, os “comunistas e subcomunistas” teriam interesse nessa inércia para que a Rússia “não fique privada dêsse material humano para os seus campos de trabalho forçado”.
Independente de sua orientação anticomunista, o jornalista lembra que o Brasil deveria ter pago à IRO a primeira cota de sua contribuição até o dia 31 de maio. Até a data do artigo, dia 27 de novembro, não havia feito. “E se não pagar até 31 de dezembro o acôrdo estará desfeito sem que tenha sido pôsto em execução”, acrescenta.
Lacerda acrescenta que, em Washington, de onde escreve o seu texto e sede do Banco Mundial, o governo brasileiro pleiteia um empréstimo de 50 milhões de dólares para custear a imigração. O jornalista acusa o governo – na verdade, os diplomatas do Itamaraty – de buscar um empréstimo junto ao organismo internacional para atrair imigrantes “de outras procedências”, que não entre os deslocados de guerra, “mais caros, muito bons, sem dúvida, mas de luxo para quem, até esta data, não teve dinheiro sequer para cumprir com acordos internacionais em que está empenhada, além do interêsse, a própria dignidade do país”.
“Cada imigrante que entra vale mais do que milhões de dólares, pois cada um de seus descendentes valerá outro tanto”, argumenta o jornalista, que acusa setores do governo de tentar usar o eventual empréstimo do Banco Mundial para injetar dólares na economia brasileira, sendo a motivação autodeclarada – o estimulo à imigração – um mero pretexto.
“Pelo capricho financeiro de conseguir 50 milhões de dólares sob a capa de financiar a imigração (…) está o Brasil deixando de pagar a quota da I.R.O., que representa 5.000 imigrantes, pelo menos, num ano, e outros tantos ou mais nos anos subsequentes, enquanto se distrai e desconversa pleiteando um empréstimo maluco no Banco Mundial”, acrescenta Lacerda, que lembrou ainda sobre o mandato do organismo mundial, de desenvolvimento e reconstrução da guerra, e acusou o governo de sequer ter um plano estruturado de financiamento.
NOTA
1 Vide http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=089842_05&pagfis=44518&pesq=&url=http://memoria.bn.br/docreader#