Imigração italiana ao longo do rio Benevente no final do século 19: entre o abandono e a repressão

Por Gustavo Barreto (*)
Correio Paulistano de 28 de janeiro de 1880

Correio Paulistano de 28 de janeiro de 1880

No final de 1879 e início de 1880, o governo imperial não parecia ter uma política migratória clara, apesar de editar decretos sobre o tema. O Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas publicou no dia 23 de dezembro de 1879 um comunicado afirmando que “não se oppõe á continuação dos favores que os immigrantes á sua chegada a esta côrte, recebem no seu desembarque, agasalho, sustento na hospedaria do governo e transporte ás províncias que preferirem para se estabelecerem á sua custa”.

O comunicado manda “proceder aos trabalhos precisos para a fundação de um nucleo colonial nas terras devolutas que demoram no valle do Alto Benevente [no Espírito Santo, veja mais abaixo]”, abrigando evidentemente apenas europeus.

Menos de um mês depois, mais precisamente no dia 21 de janeiro de 1880, o mesmo ministério emite um comunicado para “fazer constar ás agências de companhias de navegação pertencentes á nacionalidade franceza, que transportam imigrantes da Europa com destino ao Brazil que d’ora em diante o governo imperial nenhum compromisso assume com relação ao desembarque, recepção, sustento e collocação dos colonos que condizirem para o Imperio, os quaes terão de desembarcar e estabelecer-se como lhes convier, á custa de seus proprios meios e recursos”.

O Correio Paulistano, em sua edição de 28 de janeiro de 18801, não deixa por menos e republica um editorial do Jornal do Commercio — impresso no Rio de Janeiro e de orientação governista — destacando ser uma opinião de um “órgão de publicidade insuspeito para o governo e seus amigos”. O editorial destaca que o comunicado mais recente, de 21 de janeiro, foram dirigidos aos consulados gerais da França, Alemanha, Itália, Inglaterra e Áustria-Hungria. O Jornal do Commercio pede abertamente explicações sobre qual medida deve ser adotada, afinal. “Para que o nucleo do Alto Benevente, se tão sómente collocará o governo os immigrantes em viagem que não podem ser numerosos? Para que uma hospedaria organisada se o governo a nenhum immigrante terá de conceder hospedagem?”

Reprodução do livro de Hésio Pessali, foto sem data.

Reprodução do livro de Hésio Pessali, foto sem data.

“A falta de plano ou idéas assentadas, da parte do governo, em assumpto tão importante como a colonisação, fica bem patente com esses dois actos contradictorios”, dispara o Correio Paulistano.

O Alto Benevente, no alto do rio Benevente, é uma região localizada no atual município de Anchieta e muito próximo de Alfredo Chaves, no Espírito Santo. Lá, em 1875, chegaram os primeiros imigrantes italianos. A prefeitura registra que “o governo não tinha um plano de imigração de famílias agrícolas totalmente estruturado” e que, com o apoio de um ministro e um coronel local, os italianos “eram encaminhados a um barracão coletivo, a Hospedaria dos Imigrantes. Ali, ficaram acomodados (amontoados) por alguns meses e receberam alimentos para o sustento, enquanto esperavam o encarregado do governo definir o pedaço de terra para cada família” (grifo do original)2.

Em 1878, juntamente com a chegada de uma nova leva de imigrantes, D. Pedro II envia o ministro da Colonização, o engenheiro Alfredo Rodrigues Fernandes Chaves, para expulsar os índios instalados em duas fazendas locais, segundo a versão oficial. O município recebe o nome Alfredo Chaves em homenagem ao ministro.3

Já Benevente se originou de uma aldeia de povos indígenas catequizada por padres jesuítas. Seu nome atual é uma homenagem a José de Anchieta, padre jesuíta espanhol nascido no século XVI e que esteve no Brasil com a missão de catequizar os indígenas.4 O primeiro nome da aldeia, Reritiba, tem origem tupi e é o local onde José de Anchieta faleceu.5 O rio Benevente tem 79 km de extensão e sua bacia hidrográfica drena uma área que engloba Alfredo Chaves e Anchieta, além de parte dos municípios de Guarapari, Piúma e Iconha.

Imagem: reprodução do documentário de Eduardo Fernandes e Djamile Carreiro

Imagem: reprodução do documentário de Eduardo Fernandes e Djamile Carreiro

Após as primeiras chegadas de imigrantes à região, o ritmo só decresceu após um decreto do governo Italiano, de 20 de julho de 1895, proibindo a vinda de colonos para a Província. De acordo com o jornalista Hésio Pessali, autor de reportagens sobre os imigrantes no Espírito Santo, uma sobrinha do ministro Giulio Prinetti, do Ministério de Assuntos Exteriores da Itália, visitou os principais núcleos da imigração na região, inclusive Alfredo Chaves, na condição de jornalista, em 1892. Seus relatos, diz Pessali, juntamente com o fracasso do Núcleo Muniz Freire (atual município de Ibiraçu) e o relatório do cônsul Carlo Nagar de 1891, levaram o ministro a assinar a proibição, que ficou conhecida como “Interdito Prinetti”.

Uma longa história de descaso e queixas dos italianos e de outros europeus marcou toda a história da imigração na região, por vezes respondida com repressão.6

Família de imigrantes em Alfredo Chaves (ES). Reprodução do livro de Hésio Pessali, foto sem data.

Descendentes de imigrantes em Alfredo Chaves (ES). Reprodução do livro de Hésio Pessali, foto sem data.

O documentário “Benevente”, de Eduardo Fernandes e Djamile Carreiro, registram um pouco da cultura e da história dos imigrantes no local, além de mostrar um pouco sobre a realidade contemporânea — incluindo o impacto das atividades industriais no meio ambiente e na vida da população7.

NOTAS

1 Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=090972_04&pagfis=85&pesq=&url=http://memoria.bn.br/docreader#

2 O registro encontra-se em http://www.alfredochaves.es.gov.br/mat_vis.aspx?cd=6497

3 Id.

4 Registro da prefeitura de Anchieta, vide http://www.anchieta.es.gov.br/Materia_especifica/6495/Historia-de-Anchieta

5 Vide mini-biografia em http://www.paulinas.org.br/diafeliz/?system=santo&id=270

6 PESSALI, Hésio. Alfredo Chaves – Uma visão histórica e política. Alfredo Chaves, ES; 2010. Disponível em http://www.camaraalfredochaves.es.gov.br/LIVRO_ALFREDO_CHAVES.pdf

7 Documentário de 2011. Vide http://diariodoengano.blogspot.com.br/2012/03/benevente-da-imigracao-italiana-aos.html ou http://youtu.be/4N4hLdqf7n8

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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