Filho de um italiano e de uma preta hauçá

Por Gustavo Barreto (*)

'Filho de um italiano e de uma preta hauçá'

Lembra Caetano Veloso sobre a origem migrante de Carlos Marighella no seu mais novo álbum, “Abraçaço”, mais especificamente na canção “Um Comunista”.

Carlos foi um dos sete filhos do operário Augusto Marighella, imigrante italiano da região da Emília, terra de destacados líderes italianos, e da baiana Maria Rita do Nascimento, negra e filha de escravos africanos trazidos do norte da África, provavelmente do Sudão pela maioria das fontes.

Há negros hauçás principalmente na Nigéria, Níger, Gana, Chade, Camarões, Costa do Marfim e Sudão. O idioma hauçá é falado por mais de 20 milhões de pessoas em Benim, Burkina Faso, Camarões, Gana, Níger, Nigéria, Sudão e Togo.

“A homenagem de Caetano, em seu novo disco, Abraçaço, pode ser estendida a todos aqueles que, ao longo da história, tombaram na luta por um mundo justo”, afirma uma das resenhas (leia aqui).

Abaixo a letra, o vídeo (aqui) e a música (aqui):

“Um Comunista”
(Caetano Veloso, no CD Abraçaço, 2012)

Um mulato baiano,
Muito alto e mulato
Filho de um italiano
E de uma preta hauçá

Foi aprendendo a ler
Olhando mundo à volta
E prestando atenção
No que não estava à vista
Assim nasce um comunista

Um mulato baiano
que morreu em São Paulo
baleado por homens do poder militar
nas feições que ganhou em solo americano
A dita guerra fria
Roma, França e Bahia

Os comunistas guardavam sonhos
Os comunistas! Os comunistas!

O mulato baiano, minimanual
do guerrilheiro urbano que foi preso por Vargas
depois por Magalhães
por fim, pelos milicos
sempre foi perseguido nas minúcias das pistas
Como são os comunistas?

Não que os seus inimigos
estivessem lutando
contra as nações terror
que o comunismo urdia

Mas por vãos interesses
de poder e dinheiro
quase sempre por menos
quase nunca por mais

Os comunistas guardavam sonhos
Os comunistas! Os comunistas!

O baiano morreu
eu estava no exílio
e mandei um recado:
“eu que tinha morrido”

e que ele estava vivo,
Mas ninguém entendia
Vida sem utopia
não entendo que exista
Assim fala um comunista

Porém, a raça humana
segue trágica, sempre
Indecodificável
tédio, horror, maravilha

Ó, mulato baiano
samba o reverência
muito embora não creia
em violência e guerrilha
Tédio, horror e maravilha

Calçadões encardidos
multidões apodrecem
Há um abismo entre homens
E homens, o horror!

Quem e como fará
Com que a terra se acenda?
E desate seus nós
discutindo-se Clara
Iemanjá, Maria, Iara
Iansã, Cadija, Sara

O mulato baiano já não obedecia
as ordens de interesse que vinham de Moscou

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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