Estrangeiro que entra como turista no Brasil e permanece ‘certamente não é um imigrante ideal’, diz Correio da Manhã

Por Gustavo Barreto (*)

As exigências para o visto permanente é maior, argumenta o jornal, incluindo restrições aos “indigentes ou vagabundos” e àqueles que forem “nocivos à ordem pública, à segurança nacional ou à estrutura das instituições”.

Correio da Manhã, 9 de dezembro de 1954

Correio da Manhã, 9 de dezembro de 1954

O Correio da Manhã alerta em sua edição de 9 de dezembro de 19541 para uma “nova indústria” logo em sua chamada: “turistas” – enfatizado com as aspas pelo próprio diário – “mudam-se em imigrantes para ficar no país”. Identificando a autoridade competente logo na chamada – o diretor-tesoureiro do Instituto de Imigração –, o jornal carioca registra: “Poderão ser expulsos do país centenas de estrangeiros residentes em São Paulo”, registrando a partir da citação da fonte que “abusos ameaçam constituir grave problema imigratório”.

Na matéria, o diário afirma que os estrangeiros que entram como turistas “depois conseguem estada permanente no Brasil”. Para obter o visto permanente, diz o jornal, “valem-se da intervenção de advogados hábeis”. O Correio ouviu o diretor-tesoureiro do Instituto Nacional de Imigração e Colonização, que afirmou ter tomado as “necessárias providências para sustar essa nova indústria de imigrantes, coibindo o abuso que está se generalizando e que ameaça constituir sério problema migratório”. O jornal adota notavelmente uma postura oficialista e nacionalista.

Para ressaltar a posição, utiliza frases vazias como “Notícias procedentes de São Paulo indicam que a situação ali é grave” – grave, questiona-se, sob qual ponto de vista? Nem sequer da legislação vigente: a perspectiva é da autoridade constituída. Como é tradição no Brasil, cuida do tema o “delegado de Estrangeiros”, que tratará de averiguar a “denúncia” e expulsar os imigrantes.

A matéria informa que os estrangeiros valem-se de um dispositivo da lei 7.967 de 1945 e de um despacho favorável do ministro da Justiça. “Todavia”, pondera o diário, “essa concessão excepcional estava condicionada a um contrato de trabalho”, que os interessados deveriam “averbar na Delegacia dos Estrangeiros, até seis meses da data da expedição da respectiva carteira modêlo n.19”. O jornal afirma que tal exigência não vem sendo cumprida pela “maioria” dos estrangeiros, que “nem se dão ao trabalho de uma explicação às autoridades”.

Sob o entretítulo de “Absurdo”, o Correio afirma que deve ser reformado o decreto em relação a esta aspecto “pois constitui verdadeiro absurdo essa permanência, ensejada pelos dispositivos mencionados”. O curioso é que, nesse parágrafo, não há qualquer fonte citada, se confundindo com a opinião do próprio jornal – ou talvez sendo efetivamente sua opinião. O diário informa ainda que os estrangeiros que se utilizam desses recursos “parecem ser, em sua maioria, pessoas de bons recursos financeiros, pois precisam gastar bastante dinheiro com advogados que cobram elevados honorários”. E acrescenta, novamente em tom de editorial: “O estrangeiro que entra no país e aqui permanece valendo-se de tal processo, certamente não é um imigrante ideal…”.

O diário se dedica, em outro trecho, a detalhar as brechas da 7.967. Diz o artigo nono, por exemplo, que o visto permanente será concedido “ao estrangeiro que estiver em condições de permanecer definitivamente no Brasil e nêle pretende fixar-se”.

O artigo 11 determina quais os estrangeiros não têm direito ao visto permanente: o menor de 14 anos, salvo se estiver acompanhado dos pais ou responsáveis; o estrangeiro “indigente ou vagabundo”; o que não satisfizer as “exigências de saúde prefixadas”; os que forem “nocivos à ordem pública, à segurança nacional ou à estrutura das instituições”; os que tiverem sido expulsos anteriormente (a menos que a expulsão tiver sido revogada); e os condenados em outros país por crime de natureza que, segundo a lei brasileira, permita a extradição.

O diário reclama que o turista, ao contrário, não tem tantas exigências, dispensando-se “até o atestado de saúde”, ficando este estrangeiro – avalia o Correio da Manhã – em posição de “franco privilégio em relação aos imigrantes”. Ao final da matéria um tanto quanto editorializada, o diário carioca expõe que a posição do editor é a mesma que a da autoridade utilizada como fonte quanto este afirma “serem necessárias a reforma da lei de imigração e outras medidas enérgicas tendentes a a acabarem com êsse contra-senso que proporciona tantos abusos”.

NOTA

1 Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=089842_06&pagfis=42928&pesq=&url=http://memoria.bn.br/docreader#

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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