Em prol da iniciativa privada, republicanos produzem – provavelmente – o menor projeto de lei de imigração de toda a História do Brasil

Por Gustavo Barreto (*)
O projeto de lei do deputado Lucas Monteiro de Barros para a imigração em São Paulo em 1894, reproduzido pelo jornal O Estado de S. Paulo: provavelmente o menor PL sobre o tema de toda a História do Brasil

O projeto de lei do deputado Lucas Monteiro de Barros para a imigração em São Paulo em 1894, reproduzido pelo jornal O Estado de S. Paulo: provavelmente o menor PL sobre o tema de toda a História do Brasil

O jornal O Estado de S. Paulo de 11 de junho de 1893 reproduz o debate da sessão da Câmara dos Deputados de São Paulo do dia anterior, com uma das pautas sendo a imigração subvencionada. O deputado Lucas de Barros – ele próprio sócio da Sociedade Promotora de Immigração e interessado diretamente no tema, inclusive como beneficiário de eventuais lucros1 – pede a palavra para apresentar um projeto que autoriza o governo a promover por meio de contrato, ao longo de 1894, a introdução de 100 mil imigrantes.

No ano anterior, em 1892, o Congresso autorizou o governo a introduzir em 1893 um total de 40 mil imigrantes e “mais 8.000 operarios e 2.000 creadas aptas para o serviço domestico”. Lembra Barros que o deputado Alvaro Carvalho havia sido o autor do “primitivo projecto” que autorizava a introdução de 40 mil imigrantes de Porto Rico, destacando Barros que foi feito um substitutivo por ele de modo a incluir “qualquer procedencia européa, das ilhas dos Açores e Canarias”, porque “me pareceu vêr no animo da casa certa antipathia para com a immigração de Porto Rico”.

Votado o projeto e promulgada a lei, diz Barros, o governo fez contrato com a Sociedade Promotora, “que por sua vez subcontractou com outrem, e está dando cumprimento ás obrigações contrahidas, já tendo entrado este anno, por conta, cerca de 15.000 immigrantes”. Estima Barros que devem entrar no país, subvencionados pelo governo de São Paulo, 75 mil imigrantes no ano de 1893, com outros 20 mil entrando no mesmo ano, porém estes subvencionados pelo governo federal.

O número que propõe, de 100 mil – diz Barros –, não é excessivo, pois atenda à expectativa da lavoura de São Paulo com sua “abundante safra no anno vindouro”. Legislando em causa própria, Barros destaca o artigo primeiro de seu projeto de lei: “Fica o governo autorizado a contractar com a Sociedade Promotora da Immigração, ou com quem melhores condições offerecer, a introducção de 100.000 immigrantes, em familias, destinados á lavoura, no decurso do anno de 1894, conforme as necessidades exigirem”.

Assim, conclui o deputado agora discursando, “está o governo habilitado pelo projecto a contratar o numero de immigrantes que julgar necessario para manutenção e custeio do serviço da lavoura”. Destaca-se que quase todos os dirigentes da Sociedade eram do PRP, o Partido Republicano Paulista, e o próprio deputado Lucas era de uma influente família de políticos em São Paulo, os Monteiro de Barros. Lucas de Barros era nesse momento o vice-presidente da Sociedade.

O artigo segundo do projeto determina as procedências dos imigrantes: Itália, Portugal, Espanha, Alemanha, Áustria, Suíça, Suécia, Escócia, Irlanda, Açores e Canárias – devendo o governo, diz o artigo, determinar a cláusula de “não ser mais de 25.000 de cada nacionalidade”. Apesar de Barros ter sugerido antes que estas nacionalidades seriam “incluídas”, os porto-riquenhos foram aparentemente excluídos.

Sobre o limite, o deputado justifica: “A adopção d’estas clausulas a casa será a primeira a comprehender que é de indeclinavel necessidade, pois que temos absoluta necessidade de mudar de systema quanto á introducção de immigrantes, procurando por todos os meios fazer com que essa immigração seja proveniente de diversos pontos, pois que até o presente quasi que exclusivamente temos tido a immigração italiana”.

Ao questionamento de um colega, Lucas de Barros afirma que tem “todos os motivos para acreditar que com facilidade obteremos a colonisação allemã, portugueza, hespanhola e austriaca”. Especificamente sobre a imigração alemã, Barros cita um colega deputado para atestar que “esses immigrantes teem povoado muito bem” e a sua “introducção em grande escala” é uma “grande vantagem para a lavoura”. Nota-se que, neste e em muitos outros discursos da época, a nacionalidade é muitas vezes o único corte que determinaria a “qualidade” do imigrante.

O projeto – de número 87 de 1893 do Congresso Legislativo de São Paulo – foi remetido à chamada comissão de “colonisação, immigração e industrias”, que ainda terá de dar seu parecer. “Peço também á comissão brevidade no seu estudo, pois, que estamos muito adeantados na sessão deste anno e eu faço empenho em que o projecto seja votado nesta legislatura”, acrescenta Barros.

Um detalhe curioso: o projeto de Lucas Monteiro de Barros é provavelmente o menor entre todos os projetos já apresentados na História do Brasil. Além dos dois artigos já citados, há apenas mais um, o terceiro: “Revogam-se as disposições em contrario”2.

NOTAS

1 Um estudo sobre a intensa relação de políticos na Sociedade pode ser visto em http://revistas.ucpel.tche.br/index.php/rsd/article/download/372/329

2 Outros aspectos dos frágeis limites entre o poder público e a Sociedade Promotora de Immigrantes pode ser acessado no artigo já citado anteriormente, como por exemplo a farsa contábil montada para que a Sociedade existisse juridicamente. Veja em em http://revistas.ucpel.tche.br/index.php/rsd/article/download/372/329

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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