Em 1958, ainda o eurocentrismo em um artigo do Correio da Manhã

Por Gustavo Barreto (*)
Trecho do jornal Correio da Manhã de 30 de novembro de 1958

Trecho do jornal Correio da Manhã de 30 de novembro de 1958

O Brasil passou de 3,6 milhões de habitantes em 1800 para 62 milhões em 1958, com uma estimativa de chegar a 105 milhões em 19801. O índice de crescimento demográfico nacional ultrapassa muitos dos índices europeus e o de países como Estados Unidos, Argentina e Canadá. Qual seria a contribuição da imigração e o papel do Estado nessa questão? É isso o que discute o articulista Pimentel Gomes na edição dominical do jornal Correio da Manhã de 30 de novembro de 19582, a partir do artigo “Imigrantes para o Brasil”.

Citando dados de Portugal, França, Itália e Reino Unido, o autor do texto registra que “a vantagem do Brasil é incontestável” – a França, por exemplo, passou de 40 milhões de habitantes em 1900 para quase 44 milhões em 1957, segundo Gomes. As mesmas comparações se aplicam, já no século 20, a Argentina, Canadá e Estados Unidos.

O fenômeno, argumenta, se explicaria pela imigração, que teria pesado muito mais no crescimento demográfico destes últimos três países do que no Brasil. Segundo o autor, quando a imigração passou a fator secundário, o índice brasileiro de crescimento demográfico “sobrepujou facilmente os dos países considerados” – mesmo reconhecendo que os números imigratórios brasileiros não devam ser subestimados, com quase 5 milhões de estrangeiros migrando para o país em um século, até 1950.

Como de costume na imprensa, o articulista do diário carioca destaca a contribuição dos europeus – principalmente os espanhóis (dão preferência ao Brasil mesmo com tantos países americanos de tradição e idioma espanhol), os alemães (“muito têm contribuído para o desenvolvimento do Brasil”) e os italianos (“há, atualmente, mais filhos e netos de italianos do que de portuguêses”).

A posição eurocêntrica fica clara ao final do artigo: “O Instituto de Imigração e Colonização tem perdido muitas oportunidades para aumentar a corrente de imigrantes europeus, que tanto nos interessa”. Citando o caso alemão, ele conclui: “Ainda agora, o govêrno alemão está muito desejoso de incentivar a vinda de alemães para o nosso país. A Alemanha está superpovoada. Há milhões de desempregados. A imigração é uma necessidade. Seria muito vantajoso, para os dois países, que fôsse consideràvelmente engrossada a corrente imigratória”.

NOTAS

1 O IBGE, na verdade, contabiliza três possibilidades para 1800, dependendo da fonte: 2,4, 3,2 e 3,6 milhões. Os dados demográficos brasileiros completos estão disponíveis no site da instituição, mais especificamente em http://brasil500anos.ibge.gov.br/estatisticas-do-povoamento/evolucao-da-populacao-brasileira

2 Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=089842_06&pagfis=99589&pesq=&url=http://memoria.bn.br/docreader#

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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