Em 1853 o perigo da ‘febre amarela’, que afeta sobretudo ‘homens do mar, estrangeiros e pessoas recém-chegadas’

Por Gustavo Barreto (*)
Trecho da edição de maio de 1853 dos Annaes Brasilienses de Medicinal. Imagem: Biblioteca Nacional/reprodução

Trecho da edição de maio de 1853 dos Annaes Brasilienses de Medicinal. Imagem: Biblioteca Nacional/reprodução

“O estado sanitário do paiz tem merecido os mais assíduos cuidados e desvelada attenção do governo, que para restituir-lhe aquella reputação de salubridade, de que com justos títulos gozava, não tem olvidado um só dos recursos de que poderia utilisar-se; e se não póde dizer-vos que tem obtido de todo este resultado, fica-lhe ao menos a satisfação de haver posto em pratica quanto lhe tem sido aconselhado para reflexão, ou proposto pela sciencia.”

O registro é da edição de maio de 1853 dos ‘Annaes Brasilienses de Medicina’1, editado na capital imperial. A maior ameaça: a febre amarela, conforme anunciado logo no início da publicação pelo presidente da Academia Imperial de Medicina, Francisco de Paula Cândido, que ocupou o cargo em dois mandatos: de 1840 a 1842 e de 1852 a 1855.

A crise em anos anteriores não passava de alguns casos, diz o informe sanitário, embora este ano tenha “continuado a visitar algumas localidades do imperio o terrivel flagello da febre amarella”, o que obrigou o governo a reabrir em janeiro de 1853 o “lazareto” – hospital afastado para pessoas com doenças infecciosas, sobretudo para “leprosos” – em Jurujuba, região de Niterói (RJ), que havia sido fechado em setembro do ano passado.

“Cumpre observar que continua a affectar de preferencia aos homens do mar, os estrangeiros e pessoas recem-chegadas, poupando quasi sempre os aclimados”, indica a publicação. A obra indica que as causas são “perfeitamente conhecidas” e informa haver explicações detalhadas para (e pelos) agentes públicos, elogiando o governo mais uma vez por promover “os sabios conselhos da sciencia”. Foi nomeada, por exemplo, uma “commissão permanente de distinctos medicos desta côrte” para auxiliar as autoridades sanitárias com a “indicação dos meios mais adequados para removel-as [as causas da febre amarela]”

Entre as propostas está a fundação de um “hospital marítimo”, criado – informa a nota – por decreto de 3 de janeiro de 1853 e que leva o nome de Santa Isabel, com uma comissão presidida pelo administrador da junta de higiene – que é o próprio Paula Cândido – e com a representação de um cônsul estrangeiro. Trata-se portanto de um informe do presidente da Academia Imperial de Medicina fazendo um elogio a uma instituição que ele mesmo preside.

A instituição funciona, diz o informe, de modo interino em Jurujuba. Um dos curiosos elogios – não se trata de ironia, apenas a linguagem da época – é que o estabelecimento possui uma habitação “soffrivelmente commoda”. Enquanto um em cada três pessoas morria no estabelecimento, diz a nota, agora menos de 13% vinham a óbito.

Uma das medidas elogiadas pela associação médica envolvia os imigrantes recém-chegados. Trata-se da “ordem expressa de serem remettidos immediatamente para a ilha da Sapucaia2 todos os colonos que aqui aportassem, não se consentindo o abuso de vieram para terra contra as ordens dadas, e nella permanecerem”. O resultado desse comportamento inadequado, argumenta a nota, era que os estrangeiros eram “affectados logo da febre, com o que avultava o algarismo dos mortos, e augmentava o numero de focos miasmaticos”.

O informe cita como possível foco dos “miasmas” certas casas publicas estrangeiras, como os hoteis”, e elogia o “mais rigoroso exame” promovido pela junta de higiene. Cita com preocupação o caso de Angra dos Reis, onde, segundo a nota, 189 pessoas haviam morrido devido à febre amarela entre fevereiro e 24 de março daquele ano, com um declínio posterior.

Na capital de Santa Catarina, o informe observa que a doença avançou com rapidez: atingiu metade da população – cerca de 1.800 pessoas –, deixando no entanto um número baixo de mortos (37), sendo somente dois estrangeiros. No Pará a mesma coisa: cerca de 2 mil pessoas atingidas pela febre amarela, segundo a publicação, porém com apenas 35 mortos.

NOTAS

1 ANNAES BRASILIENSES DE MEDICINA. Mai. 1853. Biblioteca Nacional. Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=062014&pagfis=412&url=http://memoria.bn.br/docreader#

2 A ilha da Sapucaia corresponde, atualmente, a uma parte da cidade universitária da UFRJ, na Ilha do Governador – mais especificamente à área da Reitoria, do Parque Tecnológico do Rio e da Vila Residencial. Detalhes em http://www.gfdesign.com.br/canaldofundao/1808-1945.php e https://pt.wikipedia.org/wiki/Cidade_Universit%C3%A1ria_da_Universidade_Federal_do_Rio_de_Janeiro

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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