Diário do Rio de Janeiro, em 1853, anuncia um novo projeto: a “associação central de colonisação e trabalho livre”

Por Gustavo Barreto (*)
Diário do Rio de Janeiro de 6 de fevereiro de 1853 (trecho da capa)

Diário do Rio de Janeiro de 6 de fevereiro de 1853 (trecho da capa)

O Diário do Rio de Janeiro de 6 de fevereiro de 18531 publica o “projeto de estatutos” de uma “associação central de colonisação e trabalho livre”, explicando em seguida que se trata de um projeto de Bernardo Augusto Nascentes de Asambuja, “nosso amigo”. A associação, explica o diário, terá um capital inicial dividido em ações de preços fixos que podem ser aumentados no futuro, podendo ser acionistas “todos os capitalistas, proprietarios fasendeiros, negociantes, e quaesquer pessoas nacionaes e estrangeiras, que se quiserem inscrever como taes”.

A nota argumenta ainda que o “nosso amigo” – a matéria curiosamente não é assinada, se tratando portanto de uma posição do jornal – deu a “mais exuberante prova do estudo que tem feito sobre tão importante materia”, mostrando o “quão penetrado está da necessidade urgentissima que ha de uma instituição central que comprehenda os diversos ramos da colonisação”, empregando para isso “os meios de que poder dispor, afim de resolver em grande parte esse problema social”.

Ao “meditar” sobre os principais objetivos da futura associação, acrescenta o Diário, pode-se ver o “quão patriotica será sua missão”, pois tratará de “promover e auxiliar a immigração de colonos no paiz, quer seja esta espontanea, quer subsidiada”. As complexas operações que terá de levar a cabo, diz o jornal, seriam uma oportunidade de pôr em prática os diversos sistemas de colonização, “tanto os que respeitam aos contratos particulares, mediante a perspectiva de propriedade aos immigrantes, como os que versam sobre o estabelecimento de colonias, ou agglomerações de colonos em differentes pontos”.

Parecendo se dirigir aos próprios acionistas, o editorial lembra que “attendendo-se igualmente aos meios auxiliares, que terão de concorrer para o desenvolvimento das operações sociaes, conhece-se que a associação virá a ter vantagens e lucros reaes, mormente se não for ella despresada pelos poderes do estado, e pelo contrario vier a merecer-lhe a coadjuvação e protecção, que o mesmo projecto indica, ou deixa entrever”. Em outras palavras, tudo indica que o negócio é certo, uma vez que tenha apoio do governo – o que parece certo, dado que o próprio autor ocupara, à época, cargos públicos e políticos destacados, incluindo na própria área de agricultura, a mais importante em se tratando de políticas imigratórias. Além disso, garante o redator do Diário do Rio de Janeiro, o projeto de Asambuja é bem concebido para que se ofereçam “sufficientes garantias aos accionistas”.

Publicado na íntegra, com destaque na primeira e segunda página, o projeto tem como um dos objetivos “auxiliar e proteger a immigração de colonos agricolas e industriosos, aconselhando-os, dirigindo-os e facilitando o seu estabelecimento no paiz por todos os meios de que puder dispor”. Além disso, abrirá “correspondencia com negociantes na Europa e com as companhias e sociedades de emigração e colonisação ahi estabelecidas”, fazendo o meio de campo entre estes e os interessados no Brasil pelas “encommendas de colonos”. Segundo o estatuto da futura associação, seus funcionários trabalhariam em conjunto com os agentes diplomáticos e consulares na Europa, inclusive para, conforme prevê um dos artigos, “procurar, mediante o auxilio do mesmo governo, conceituar a emigração para o Brasil, e combater as hostilidades e os obstaculos que injustamente possa soffrer da parte de corporações, casas commerciaes e da imprensa na Europa”.

A proposta de Asambuja era bastante ambiciosa, dentro de um contexto em que o escravagismo ainda estava enraizado e ativo na sociedade brasileira e que, por outro lado, o fim do tráfico de escravos pressionava a economia nacional. A iniciativa previa a participação da associação em todas as etapas da imigração, incluindo a criação de empregos temporários próximo aos pontos de embarque e a compra direta de terras para a colonização de trabalhadores livres europeus. Pretendia, ainda, criar filiais da associação nas “diversas” províncias onde possam ser “convenientes”, além de filiar e proteger aquelas que já existem ou que venham a ser estabelecidas.

Cabe destacar, conforme indica o próprio estatuto, que a iniciativa parecia ser um excelente negócio, principalmente para a obtenção de lucros mediante a aquisição de terras e trabalhadores estrangeiros. Além disso, demonstrava mais uma vez o forte lobby que existia, junto ao governo, para meramente substituir a mão de obra escrava pela estrangeira, abandonando quase que por completo os escravos e ex-escravos.

O caráter nacional da futura organização era garantido pelo artigo 30: apesar de ser permitido que os acionistas sejam estrangeiros, este artigo determina que somente os brasileiros podem ocupar três dos quatro cargos da diretoria (diretor, secretário e procurador), cabendo aos estrangeiros a possibilidade de ocupar apenas o cargo de “adjuntos”.

NOTA

1 Disponível em http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=094170_01&pagfis=&pesq=immigrantes

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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