Diário da Noite: Brasil deveria aproveitar pós-guerra para trazer da Europa ‘os elementos mais capazes, por preços reduzidos’

Por Gustavo Barreto (*)

O argumento foi apresentado em uma matéria assinada no Diário da Noite em junho de 1948.

Diário da Noite, 20 de junho de 1948

Diário da Noite, 20 de junho de 1948

O carioca Diário da Noite, pertencente ao grupo Diários Associados, publica em sua edição de 20 de junho de 19481 uma matéria pró-imigração subvencionada, destacando que a Argentina recebe cinco vezes mais “emigrantes” que o Brasil, acrescentando na chamada: “Uma comparação que entristece. Os emigrantes desejam vir para o nosso país”.

Com pouco destaque – a matéria, assinada, está localizada na última página da edição de 28 páginas –, o texto argumenta que, entre os “problemas que mais diretamente interessam ao desenvolvimento do país e à sua respectiva recuperação econômica”, nenhum requer “com mais urgência a atenção do governo, como o da imigração”. O autor afirma que o êxodo rural destina milhares de trabalhadores para as cidades, enquanto “os campos se despovoam, as plantações fenecem e o índice de produção agrícola baixa a cifras alarmantes”.

O autor acusa o governo de negligenciar “providências urgentes” como o da imigração que, “na opinião dos nossos melhores técnicos”, seria a única “capaz de resolver, de uma vez por todas, esse [do êxodo] angustioso problema”. O autor compara a situação do Brasil com a da Argentina, “cujas condições econômicas são muito melhores do que a nossa” – sustenta ele – e que, em face da sua “política de neutralidade durante a guerra, tudo tém feito para atrair aos seus campos os deslocados da Europa, organizando um serviço de imigração que se pode chamar de modelar”.

Ele afirma que, desde o início de 1947 até a data do artigo (junho de 1948), o Brasil havia recebido 6 mil imigrantes de diversos pontos da Europa. Enquanto isso, a Argentina – em sua descrição um país “pequeníssimo comparado com o nosso e sem a mesma e urgente necessidade de braços para as suas lavouras e indústrias” – recebera cerca de 30 mil “deslocados” (aspas do autor) dos “campos de concentração do Velho Mundo”. O autor do texto calcula que cerca de 1.500 imigrantes passam semanalmente pelo Rio “rumo ao Prata”, observando ainda que todas as despesas são cobertas pelo governo argentino. “Esperam, apenas, o desembarque na capital argentina, para assinarem o respectivo contrato de trabalho com as autoridades”, registra o texto.

A maioria dos navios que passam pelo porto do Rio, diz, são italianos e iugoslavos. Segundo o jornal, aparentemente todos são europeus – sendo 60% agricultores e 40% técnicos. O autor do texto descreve, em um tom notavelmente otimista: “Em sua quase totalidade, são jovens fortes, cheios de saúde, que vão se entregar ao trabalho com todo o entusiasmo e com todas as suas forças. E foram selecionados, rigorosamente, por uma comissão de técnicos enviada à Europa pelo governo da Argentina”.

Classificando sua comparação como um “contraste inquietante”, o autor elogia o governo argentino por seu trabalho “eficiente e silencioso” que dá ao Brasil uma “lição que merece ser meditada”. Enquanto a Argentina procura desenvolver a “exploração dos seus recursos naturais de forma a libertar-se, o mais cedo possível, da sujeição às imposições econômicas internacionais” – diz ele –, o Brasil, ao contrário, mesmo fazendo parte da Comissão Inter-Governamental de Deslocação de Guerra e tendo “todas as facilidades em receber e selecionar aqueles imigrantes”, não aproveita essa “excepcional oportunidade”. Ele lembra ainda que a Argentina não está representada no organismo citado.

O imigrante é aqui, como de costume, um trabalhador. Conforme descreve o texto, o governo deveria aproveitar essa oportunidade para trazer “para o seu imenso território, ávido de braços e de gente disposta ao trabalho rude dos campos, os elementos mais capazes, por preços reduzidos”. A Argentina, repete o argumento do título, já recebeu cinco vezes mais imigrantes do que o Brasil, por conta de uma “atividade atrofiada” pela “burocracia invencível” do governo.

Citando o “ministro Hélio Lobo” – o então ministro das Relações Exteriores –, o texto afirma que existem 8 milhões de pessoas à espera de uma oportunidade para imigrar. A matéria cita uma declaração de Lobo, “há alguns meses”: “Estou certo de que o Brasil fará todo o possível para acolher um número crescente de ”deslocados”. Não tenho a menor dúvida em afirmar que esses homens serão excelentes imigrantes”. O autor da matéria acrescenta: “Muito tempo já se passou. E que fez o Brasil, até agora? Quase nada.”

De modo um tanto quanto romantizado, o autor chega a afirmar que os imigrantes “preferem o nosso país”. Por meio de um diálogo criado para comprovar sua argumentação, o autor afirma que os imigrantes que passam pelo Rio em trânsito para Buenos Aires “invariavelmente perguntam: “Por que o Brasil não manda buscar os meus patrícios, para vir para esta bôa terra, de que muito se fala?”

O texto acrescenta, em seu diálogo imaginário, que os imigrantes “esclarecem”, ante o “espanto geral”: “Nós vamos para a Argentina porque o governo pagou as nossas passagens, mas preferíamos vir para o Brasil.”

NOTA

1 Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=221961_02&pagfis=44918&pesq=&url=http://memoria.bn.br/docreader#

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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