Diário carioca apoia entrada de imigrantes – mas “nada de licença para certa classe de comerciantes vulgares”
Editorial do governista A Noite de 25 de maio de 19461 trata do “problema imigratório”, iniciando seu texto apontando a oposição que existe ao incentivo da imigração no país: “Há quem se oponha a que o Brasil receba, no momento, novos imigrantes”. As razões “invocadas”, diz o texto, vão desde a “escassez de gêneros alimentícios” ao “perigo de abrirmos a porta a elementos heterogêneos, inadaptáveis por circunstâncias diversas, à vida nacional”.
Há os que, por outro lado, advoguem “facilidades” para a entrada de “elementos sãos, previamente escolhidos entre lavradores e técnicos”, cujo “auxílio e ensinamento seriam preciosos para desenvolvimento da lavoura e das indústrias nacionais”. Praticamente um jornal do governo, o editorial conclui logo na introdução: “Parece que a razão está com os últimos”.
As razões são sempre as mesmas: a crise de produção (agrícola), “agravada pela de transportes”, estaria tornando “precário” o abastecimento das grandes capitais. “No Rio, nós a sentimentos [a crise] mais porque aqui vivem dois milhões de pessoas que não produzem uma grama do que necessitam para as suas necessidades alimentares”, diz o editorial.
Sem o problema do transporte, o interior do país não passa pelos mesmos problemas pois tem terra suficiente para “fornecer todos os recursos em que é generosa” e, desta forma, os imigrantes “não correriam o risco de arcar com os sacrifícios que são o suplício, hoje, da população das grandes áreas urbanas”. A questão do abastecimento, portanto, não seria um problema, sustenta o editorial.
Quanto à seleção dos imigrantes, diz o A Noite, as “nossas autoridades” possuem pessoal “habilitado para uma seleção” sob o ponto de vista “moral, racial e físico”. A seleção, além disso, seria feita “em regra” nos próprios locais e embarque, e não no Brasil, “como aconteceu muitas vezes, quando imigrantes doentes e incapazes eram barrados no momento da chegada”. Citando um ministro, o editorial aponta que “precisamos de trabalhadores e de técnicos”, acrescentando o texto: “Nada de licença para certa classe de comerciantes vulgares, que atropelam hoje as nossas cidades, agravando os problemas locais”.
Segundo o editorial, a obrigatoriedade de ficarem localizados no campo, “sem possibilidade de se aboletarem2 nas vilas ou cidades, deve ficar expressa”, enquanto que a “desobediência a essa condição redundará na expulsão imediata do transgressor do território nacional”. O jornal acrescenta que, sendo as nossas necessidades “rurais”, e não urbanas, o “trabalho de que precisa o país é o do lavrador, do pequeno industrialista doméstico, do criador de gado leiteiro, do fabricante de laticínios, do hortelão, etc”.
O editorial afirma, então, que os “homens com tais requisitos” têm as portas abertas e um “futuro promissor”. Em seguido, o A Noite alerta: “Quem não tiver, porém, essas condições não encontrará, aqui, ambiente propício ao desenvolvimento de suas aptidões”.
Mesmo após o alerta de que inválidos e trabalhadores com especializações não desejáveis serão excluídos, o editorial faz curiosamente uma conclusão humanitária: “Feita a escolha, o Brasil terá criado um clima de trabalho a uma população que, esquecida dos horrores da guerra e das privações, terá aqui a sua segunda pátria”.
NOTAS
1 Disponível em http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=348970_04&pagfis=40070&pesq=
2 Acomodar-se, instalar-se.