Aprovada tese sobre imigração em 1943: preferência aos “povos de raça branca do continente europeu” e “evitando-se, sempre, as raças amarela e negra”
Dulfe Pinheiro Machado quer estabelecer regras relativas à admissão de estrangeiros em nosso território, limitando ou mesmo proibindo o ingresso de imigrantes com base em “origens, raças, qualidades, sexo, idade, condições econômicas, qualidades profissionais, condições financeiras, físicas, morais, culturais, etc”.
Uma tese sobre imigração aprovada no Congresso de Economia é um dos destaques de capa do jornal de forte orientação governista A Noite, em sua edição dominical de 5 de dezembro de 19431. Dulfe Pinheiro Machado, que fora ministro interino do “Trabalho, Indústria e Comércio” – este era o nome da pasta à época – durante um breve período no segundo semestre de 1943, apresentara o documento denominado “Política Demográfica e condições de acolhimento, distribuição e adaptação de imigrantes em nosso meio”.
A tese foi aprovada após um debate envolvendo “eminentes economistas, técnicos e industriais” da “Comissão de Planos Internacionais” do congresso. O próprio autor explica seu objetivo à imprensa, citado pelo A Noite: “Foi meu intuito único focalizar o importante problema nacional, porque entendo oportuno que suas linhas mestras sejam traçadas neste período preparatório às decisões definitivas, que houvermos de tomar após a guerra. É sabido que a política imigratória, nos tempos coloniais e durante o império, cuidou do povoamento do nosso território, encarando-o através de finalidades puramente econômicas”.
Um “prisma mais amplo”, continua ele, já vinha sendo aplicado desde o período republicano: estabeleceram-se medidas de proteção ao trabalhador nacional e criaram-se restrições à entrada de “determinados imigrantes”, com a admissão sendo realizada a partir de “certas condições”. O objetivo, explica, era “expurgar as correntes alienígenas de elementos julgados nocivos à segurança interna”, ou “indesejáveis do ponto de vista da saúde pública”, ou ainda “impróprios ao fomento da produção agrícola e industrial”.
A partir de 1930, diz Machado, a política imigratória no Brasil tomou “novos rumos”, sendo prescritas “várias medidas de profunda repercussão” relativas à “integração étnica” e à “capacidade física do imigrante”, por exemplo. As leis dos estrangeiros de 1938, que o autor considera “modernas” porém “ora em fase de readaptação”, têm como objetivo “não só incorporar às energias nacionais os valores econômicos decorrentes da imigração”, como buscam atender também, por outro lado, “às qualidades de adaptação dos estrangeiros, às suas condições físicas, morais e culturais”.
A legislação – continua Dulfe Pinheiro Machado – evita assim que as “massas alienígenas” causem “graves ameaças às instituições” e que possam formar “círculos fechados, centros inassimiláveis ou fócos de futuros desentendimentos, todos eles, em última análise, atentatórios à segurança nacional”. A matéria na verdade se resume à fala de Machado e, portanto, reproduz na íntegra a fala de uma importante liderança governista à época.
Por conta da “indisfarçável gravidade” do fenômeno imigratório, diz Machado, o Estado precisa permanecer “vigilante”. As políticas públicas, diz o autor, não podem desprezar a “grande experiência” adquirida “tanto no regime monárquico como no republicano”. Os princípios normativos dos congressos internacionais devem ser seguidos, diz Machado, desde que respeitado o direito de adotar a política “que melhor nos convenha, como povo soberano”, resguardando igualmente os “supremos interêsses nacionais”, que “reclamam uma imigração técnicamente dirigida, rigorosamente selecionada, fiscalizada e amparada pelos organismos oficiais competentes”.
O autor da tese aprovada garante a um jornalista que foi “assinalado” em seu trabalho o “valor dos tratados, ajustes ou convênios bi-laterais”, especialmente – cita Machado – os discutidos na “Conferência de Peritos em Matéria de Migrações Colonizadoras”, reunida em Genebra, em 1938. Ao mesmo tempo, Machado destaca que deve haver o respeito “absoluto” aos “nossos direitos de soberania”.
Machado “explica”, então, quais seriam estes direitos, em termos de políticas migratórias: “Dentro desse espírito, assiste-nos a faculdade de estabelecer regras relativas à admissão de estrangeiros em nosso território, limitando ou mesmo proibindo o ingresso de imigrantes, atendendo às origens, raças, qualidades, sexo, idade, condições econômicas, qualidades profissionais, condições financeiras, físicas, morais, culturais, etc”. E conclui, na mesma resposta: “Precisamos de agricultores, acompanhados de famílias bem constituídas, capazes de pôr em evidência nossas riquezas agrícolas; necessitamos, por igual, de técnicos e de operários qualificados, que possam contribuir para o desenvolvimento de nosso parque industrial”.
A “antiga concepção” quanto à liberdade que o estrangeiro tinha de emigrar “desapareceu”, anuncia o autor da tese aos jornalistas. “As saídas são disciplinadas, fiscalizadas e muitas vezes embaraçadas pelas nações fornecedoras de braços”, resume Machado, pedindo uma “rigorosa seleção, ‘in loco’, confiada a técnicos idôneos e experimentados”, de modo que “só sejam embarcados elementos úteis e sadios, física, mental e moralmente”. Os imigrantes também devem demonstrar “propósitos de definitiva radicação no Brasil”, além de virem “animados do mais sincero empenho de se incorporarem, o mais cedo possível, à comunhão nacional”.
A tese aprovada de 1943 pede ainda que a seleção passe por uma “verdadeira análise científica do imigrante”, além de considerar sua profissão “como operário qualificado”. A seleção – continua Machado – terá de se verificar “no campo de certas restrições, relativas às origens dos estrangeiros”, segundo as diretrizes “que forem mais convenientes” e dando-se acolhimento “preferencial aos portugueses, aos povos de raça branca do continente europeu” e – diz Machado, citado pelo diário carioca – “evitando-se, sempre, as raças de côr”.
Para estes, diz o autor, não basta apenas selecionar, “é preciso atrair os emigrantes, dando-lhes garantias reais, para sua radicação ao solo, onde há oportunidades magníficas para a posse de bens materiais”. O estrangeiro bem selecionado, acrescenta Machado, vem “concorrer com o seu esforço, com a sua inteligência, a sua capacidade e a sua experiência” para a “realização de objetivos comuns”.
Citando os “vazios demográficos”, Machado faz referência a Getúlio Vargas, que teria observado que o “imperialismo brasileiro” consiste na “expansão demográfica e econômica, dentro do próprio território, fazendo a conquista de si mesmo e a integração do Estado” e tornando este Estado “de dimensões tão vastas quanto o país”.
O autor da tese lembra sobre as finalidades legais do órgão que regia o tema, o Conselho de Imigração e Colonização: “Orientar e superintender os serviços de colonização e de entrada, fixação e distribuição de estrangeiros”. Machado argumenta que considera indispensável a unificação, no Conselho, de “tudo quanto se relacionar com a nossa política migratória”, cabendo ao órgão a “faculdade de iniciativas, o estudo dos diferentes problemas relacionados com as raças e as origens dos imigrantes, com a seleção, entrada, permanência e fixação, enfim, a supervisão inerente à aplicação da legislação respectiva”, numa atividade que deveria coordenar a ação dos departamentos especializados.
Uma das tarefas do Conselho em relação às “correntes alienígenas” é “evitar as concentrações”, no sentido de “impedir que os elementos novos se ajuntem aos antigos, aumentando sua falange e contribuindo para predominar as tendências políticas contrárias aos nossos interesses”. Outra tarefa, no mesmo sentido, é a promoção da “nacionalização dos quistos raciais, tudo consoante os preceitos contidos na legislação em vigor”.
Ao aplicar o que chama de “programa sistematizado”, e estabelecidos os “princípios selecionadores e de boa distribuição das massas estrangeiras, ao lado das nacionais”, o autor da tese aprovada argumenta que devem desaparecer as restrições constitucionais quantitativas – as cotas por nacionalidade estabelecidas durante o Governo Vargas – a respeito da entrada de imigrantes no país “de raça branca”. Pouco antes, Machado havia falado em evitar “sempre” as “raças de côr”. Agora, em outro momento de sua fala, ele amplia sua lista: deve-se evitar, “sempre”, as raças de “cores amarela e negra”.
A cota de 2% atinge, explica Machado, todas as nacionalidades, “incluídas aquelas que sempre foram as principais fornecedoras de imigrantes para o Brasil”. Isso, segundo o autor, prejudicaria “nossos interesses primordiais”. Ele pede “maior elasticidade” quanto ao ingresso de portugueses e de “outras correntes ótimas”. No início da matéria, é observado que um dos participantes do Congresso justifica seu voto contrário à tese aprovada “na parte em que pede a supressão das restrições constitucionais quanto à entrada de imigrantes no país”, apesar de Machado – diz o diário carioca – ser “favorável à imigração portuguesa”.
Um editorial do próprio A Noite, de 21 de outubro2 do mesmo ano, 1943, já chamara a atenção para o tema, destacando que o Brasil “precisa pensar seriamente nesse assunto” e “agir ainda mais seriamente”. A justificativa: “Primeiro, porque precisamos de imigrantes; segundo porque só precisamos de bons imigrantes”. O diário carioca governista acrescenta que, para “atulhar as praias elegantes de Copcabana já temos bastantes aqui. Já temos demais”.
Agora, continua o editorial assinado por Belisario de Souza, queremos correntes de imigração que venham “reforçar os exércitos de trabalhadores rurais e as legiões de operários da indústria de que o Brasil vai precisar para manter, e, sobretudo, para acelerar o ritmo do seu atual gigantismo econômico”. Em relação ao campo, o autor argumenta que o “caipira” precisa ser “mais ambicioso, menos resignado, mais construtivo de um destino melhor para si e para sua prole”. Para esse fim, continua Belisario, a “emulação do imigrante ser-lhe-á benéfica”.
NOTA