A precariedade dos dados demográficos no final do Brasil Império

Por Gustavo Barreto (*)
Formulário usado no censo de 1872, o primeiro feito no Brasil. Imagem: Cedeplar/Face/UFMG

Formulário usado no censo de 1872, o primeiro feito no Brasil. Imagem: Cedeplar/Face/UFMG

A demografia é tema de um extenso artigo publicado no jornal A Província de Minas – órgão do Partido Conservador publicado em Ouro Preto – de 22 de junho de 18881. O texto fora publicado originalmente no Jornal do Commercio, de orientação governista, em maio do mesmo ano e assinado por Julio P. Favilla Nunes. O autor, citando diversas obras estrangeiras, destaca a importância do conhecimento da população nacional, bem como de seu território, sem o qual “é impossivel a bôa administração de um paiz”.

Estes dados, afirma, o governo não pode tratar de temas como as necessidades das suas fronteiras, a distribuição dos exércitos, o estabelecimento de colônias nos locais mais apropriados, além da divisão e descentralização da administração. O autor faz um amplo histórico dos censos demográficos do país, com a primeira tentativa em 1870 e o censo geral de 1872, a única base nacional até a data de publicação do artigo.

A capital imperial – o Rio de Janeiro –, no entanto, fez tentativas anteriores de censo. Segundo descreve o artigo, o primeiro em 1799, a pedido do Conde de Rezende. O segundo ocorreu já no reinado de D. João VI, em 1821. O terceiro em 1838 por ordem do ministro Bernardo de Vasconcellos e uma quarta tentativa em 1849.

O censo de 1872 indicou um país com quase 10 milhões de habitantes – exatos 9.930.478 contados, entre os quais 1,5 milhão eram escravos. O Império classificou os habitantes como sendo de “raça caucasiana” (3,7 milhões), “raça africana” (1,9 milhão), “raça americana” (386 mil) e “mulatos e mestiços” (3,8 milhões). Segundo o artigo, o censo indicou uma esmagadora maioria de católicos, com apenas 27.766 mil “acatholicos livres”. Evidentemente que os dados não incluíam as religiões e tradições afro-brasileiras, com todos os escravos classificados como católicos. O censo considerava ainda como “estrangeiros” apenas a população livre – dos 8,4 milhões de pessoas livres, cerca de 243 mil foram contados como estrangeiros.

Passadas quase duas décadas, o autor do artigo pretende, então, estimar a população brasileira com base em “coefficientes rasoaveis quanto possível limitrophes da verdade”. Para isso, calculou os nascimentos em 4% da população e os óbitos em 2%, variando de Estado para Estado. O número de imigrantes que entraram desde o último censo até o ano do artigo, calcula, foi de 53.497 em média, por ano.

As estimativas do autor, apesar de estarem referenciadas bibliograficamente, deixam dúvidas quanto à metodologia. Explica o articulista que, da diferença entre nascimentos e óbitos, resulta um crescimento de 2%, com duas variáveis: (1) os imigrantes; e (2) as populações rurais ou disseminadas em vastos territórios e que “tem mais elementos de vitalidade e de fecundidade”. Dessa forma, o autor deduz que a proporção, por cem habitantes, do aumento anual de cada província é de: 2% para Maranhão, Piauí e Bahia, entre outros; 2,5% para o Amazonas, que tem recebido imigrantes em pequena escala, segundo argumenta; 3% para Pará, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Município Neutro2; e 3,5% para São Paulo.

Artigos como este eram comuns na imprensa da época e seus autores buscavam influenciar os gestores públicos – eles próprios eram muitas vezes líderes políticos e pessoas influentes. No entanto, nem sempre eram fundamentadas cientificamente as suas posições, e mesmo as que eram se revestiam de teses pseudocientíficas. Com isso, o conhecimento demográfico – incluindo sobre os imigrantes e sobre seus hábitos e necessidades – era extremamente precário ou simplesmente inexistente.

NOTA

1 Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=222747&pagfis=1391&pesq=&url=http://memoria.bn.br/docreader#

2Como era conhecida a capital fluminense entre 1834 e 1889.

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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