A ‘diabólica propaganda contra a nossa santa religião’: um debate entre um senador e um núcleo colonial
O editorial do jornal católico O Apostolo de 13 de fevereiro de 18891 se dedica a acusar o Visconde de Taunay – à época senador e que contava com muitos votos de católicos, segundo a própria publicação – de usar a Sociedade Central de Imigração como seu “quartel de inverno”, fazendo dele “sua diabólica propaganda contra a nossa santa religião”. A acusação central: uma suposta perseguição contra uma colônia dirigida por um padre católico.
Segundo o periódico, Taunay era contrário à imigração chinesa “porque os chins são feios e trabalham barato” e, “a se lhe fazer a vontade, já este Imperio não seria mais nem menos do que um vasto dominio de allemães, ou de qualquer outro ramo da raça, comtanto que que fossem tudo, menos catholicos”. A reação viria após o senador publicar um artigo no jornal de São Paulo Diario Popular em 31 de janeiro do mesmo ano com o título Colonia malsinada23.
No artigo, o senador fala sobre as más condições da referida colônia – o núcleo Rodrigo Silva –, que fica perto de Porto Feliz, atualmente um município próximo a Sorocaba. Segundo registra Taunay, o núcleo estava sob os auspícios do padre Vansse, com imigrantes de nacionalidade belga. Segundo ele, “por falta de direcção activa e experimentada [a colônia] está se tornando mui precaria a sorte daquella gente, que se vê obrigada a vender seus instrumentos de trabalho para comprar o alimento indispensavel”.
Uma das críticas do senador é a “intervenção paternal do governo em taes assumptos”, sendo quase sempre, diz ele, “o patrocinio official infeliz, cego e teimoso, e servindo-se de tudo como meio de protecção a eleitores e afilhados”. Diz o senador ainda que “está á sociedade [Central de Immigração] provado que a direcção clerical, pelas suas tendencias absorventes, caprichosas e autoritarias, dá sempre maos resultados nos ensaios immigrantistas, a que deve presidir muita energia, mas tambem todo o respeito á completa liberdade dos outros”.
A ausência de uma política de promoção da independência como a de Porto Real, afirma Taunay, não colaboram para o fim dos “pessimos habitos que o protecionismo exagerado lhe incutio”. Quanto mais se dá ao imigrante, resume, mais pretensões ele terá, “collocando-o em posição de não poder ou não querer mais viver sobre si”. Desde serviços médicos até instrumentos agrícolas, diz, exigem tudo. O senador ironiza: “Mais um pouco e pediriam criados de servir e subvenção para theatro”.
Curiosamente, a descrição da posição do senador é muito mais completa do que a própria resposta do editorialista, que se limita a responder que o senador não faz qualquer acusação real à colônia e ao padre, por não citar qualquer fato específico. No segundo aspecto da contra-argumentação, o editorial questiona a designação de “autoritário” defendendo o conceito em si: “S. Ex. sabe que não póde haver sociedade sem ordem; não póde haver ordem sem haver quem mande e quem obedeça. (…) Ser autoritario, pois, é ser simplesmente amante, respeitador, verdadeiro cultor do principio da ordem, da suprema condição da vida social”, sendo a virtude oposta “a negação da autoridade, o desrespeito, a perturbação da ordem, a anarchia, em summa”.
Curiosamente, pouco após acusar em termos gerais o senador de intolerância religiosa, o periódico publica na mesma edição o anúncio de um livreto denominado Propaganda catholica contra o protestantismo, levando de forma acessível e “com admirável lógica” informações sobre “esta seita maldita”.
NOTAS
1Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=343951&pagfis=11633&pesq=&url=http://memoria.bn.br/docreader#
2Malsinar, de má sina, má impressão. Neste caso, o verbo seria algo como “interpretar negativamente”, mais popularmente “falar mal” ou mesmo “caluniar”.
3Segundo o próprio editorialista, a posição do senador foi repercutida no Jornal do Comercio, sem data informada, sendo o Diario Popular citado como fonte secundária.