Sociedade Central de Immigração: Em defesa do eurocentrismo e contra a ‘ameaça’ do ‘elemento chinez’, cujo ‘odio à raça branca é innato’

Por Gustavo Barreto (*)

O jornal “A Immigração”, meio da Sociedade Central de Immigração, anuncia em 1883 sua instalação, com a publicação dos estatutos, de um manifesto – o Manifesto de 25 de Novembro –, da ata da primeira sessão e da relação da Diretoria.

O objetivo principal está disposto no artigo primeiro: “A Sociedade Central de Immigração tem por fim promover, por todos os meios directos e indirectos ao seu alcance, o augmento da emigração europea para o Brazil” (edições número 1 a 4, de dezembro de 1883 a agosto de 1884).

A imprensa é um dos alvos da Sociedade, que busca influência também “pelas relações e posições dos seus membros” (artigo segundo), com o objetivo de “serem decretadas todas as reformas necessarias para que o estrangeiro ache uma verdadeira patria no Brazil”. A condição para participar: pagar uma quantia. Quanto maior, maior a importância dentro da Sociedade. O manifesto comemora que alguns meios da imprensa que “desinteressadamente” já ofereceram espaço à Sociedade.

O jornal 'A Immigração', meio da Sociedade Central de Immigração.

O jornal ‘A Immigração’, meio da Sociedade Central de Immigração.

O discurso eurocêntrico é notável na primeira ata da Sociedade: “O colono europeu, pelas commodidades, bem estar e felicidade que colhe da sua actividade em terras ferteis, mostra logo aos nacionaes quanto é vantajoso fazer pela vida e ganhar a sua independencia moral pelo esforço próprio. A recompensa é imediata, e por tal modo espantosa, que não ha como resistir a semelhantes lições”.

“Para esses resultados, porém” – continua o discurso em ata – “só e tão sómente o trabalhador europeu, que nobilita o trabalho e faz delle base para o que ha de mais santo e estavel na sociedade : a família. Por tudo isso, precisamos luctar, pois, como já disse, os preconceitos são muitos, firmados na inactividade até de pensar de muitos, nas falsa idéas de outros, e na ignorancia descupavel de quantos vivem arredados dos grandes focos de luz e civilisação”.

A Sociedade ataca a imigração chinesa citando o caso dos Estados Unidos e sua suposta “medida de salvação publica” – a de “trancar a Republica Americana à invasão sorrateira, desmoralisadora e avassaladora dos chins”, exemplo que segundo o discurso foi seguido “por todas as grandes colonias europeas”.

A ata registra que o “mundo civilisado” fechara suas portas ao trabalhador chinês “depois da experiencia e da pratica” receoso da “perfida [desleal, falsa] barateza dos seus serviços, e fugindo ao contagio dos vicios de civilisações antiquissimas e caducas, é neste momento que nós brazileiros vamos acolhel-o, só porque alguns supõe que poderão pagar pouco dinheiro por aquilo que vale muito?”.

E concluem: “Não acreditem que vão encontrar no chim o succedaneo do negro”. A Sociedade afirma que “as raças amesquinhadas têm vivo o estímulo da vingança, e não poucos perigos e incitamentos sanguinarias enxerga o orador, no contacto do escravo brazileiro, este de uma docilidade enternecedora, com o elemento chinez, cujo odio a raça branca é innato”.

“O chim”, conclui o orador, “afugenta irremediavelmente o immigrante europeu, o aniquilla, do mesmo modo que a moeda fraca expulsa a forte e a faz desapparecer”.

O discurso se reveste de um humanismo abolicionista, conforme aponta outro orador: “Tudo condemna o serviço forçado – as leis da humanidade, a sciencia economica e o interesse proprio daquelles que pretendem desfructal-o. O chim para não poucos é uma escravidão disfarçada, e essa possibilidade lhes sorri ao espirito e aos pessimos habitos contrahidos desde a infancia. Na obra de regeneração nacional o chim é um mal, um grande mal, pois continua uma viciosissima disposição que cumpre combater a todo o transe”.

O orador – Sr. Escragnolle Taunay – conclui que “basta isto para que todos os brazileiros bons e patriotas se juntem para repelir semelhante praga”.

Ao intenso discurso xenófobo, até mesmo um dos oradores presentes – o Sr. Azevedo – pede a palavra. Segundo a ata, “não para combater o protesto apresentado pelo Sr. Escragnolle Taunay, mas para fazer ligeiro reparo acerca da sua redacção”.

Azevedo receia que “os termos em que foi concebido, offenda o caracter de cosmopolitismo, que deve ter o apello do Brazil a todos quantos o procurem”.

Azevedo diz saber que “a colonização chineza é má, é péssima, pois que os immigrantes chinezes nem sequer desejam deixar á terra estrangeira, em que vão trabalhar, os seus cadaveres, e estipulam nos seus contratos que serão transportados embalsamados para a patria asiatica”. Portanto, diz o orador, “nada ha de esperar dessa gente. O unico movel que os obriga a sahir da China é a miragem do lucro”.

Sr. Azevedo, no entanto, tenta amenizar o discurso do orador anterior, o Sr. Taunay: “Acha, porém, que as palavras do protesto não salvam uma hypothese e possibilidade mais consoladora e digna para aqueles filhos da China que espontaneamente quizerem procurar o nosso sólo”.

Leia o boletim clicando aqui.

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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