Os “clandestinos”: imigrantes ajudam a preencher uma página policial e de obituários da Folha em 1989

Por Gustavo Barreto (*)
Trecho da edição de 11 de janeiro de 1989 do jornal Folha de S. Paulo

Trecho da edição de 11 de janeiro de 1989 do jornal Folha de S. Paulo

Com destaque na primeira página, a Folha de S. Paulo repercute a prisão, no México, de 40 brasileiros que tentavam entrar sem documentação legal nos Estados Unidos.

A matéria – da edição de 11 de janeiro de 1989, numa página compartilhada entre as editorias de Cidades e de Mortes – informa que o grupo de 38 brasileiros originários da cidade de Governador Valadares, em Minas Gerais, foram detidos no aeroporto da Cidade do México, juntamente com dois outros brasileiros que estariam cobrando 160 mil cruzeiros – cerca de 200 dólares – por pessoa para conduzir o grupo até a cidade de Tijuana, na fronteira com os Estados Unidos. Um oficial de imigração mexicano também foi preso.

“Nossa intenção é trabalhar honestamente; não somos delinquentes”, disseram, citados pelo jornal, os brasileiros “em audiência no Ministério Público”. Eles foram encaminhados a uma “prisão migratória”, segundo a fonte do Itamaraty, e foram liberados alguns dias depois. Um gráfico informa a rota dos brasileiros: de Tijuana, eles seguiriam para San Diego. A matéria lembra que, em agosto de 1988, outras 50 pessoas foram detidas em um cargueiro de bandeira brasileira. No total, eram 46 brasileiros e 4 portugueses. A matéria trata dos imigrantes indocumentados como “clandestinos”, concluindo: “Uma pesquisa realizada pelo Data Folha na época revelou que 62% dos paulistanos maiores de 18 anos gostariam de viver em outro país”.

Em outro registro, na mesma página – cujas demais notas são, curiosamente, todas policiais, ao lado de obituários –, a Folha trata de uma canoa de madeira que naufragou com 18 pessoas a bordo, na confluência do rio Oiapoque com o oceano Atlântico, no limite territorial do Amapá. Segundo o jornal, o grupo de brasileiros tentava atravessar a fronteira “para viver clandestinamente” na capital da Guiana Francesa, Calena. “A canoa só tinha capacidade para cinco pessoas. Há dez desaparecidos; oito se salvaram”, informa a matéria.

Na matéria sobre o Amapá, a Folha informa que os imigrantes foram “indiciados por tentativa de saída ilegal do país”. Na nota sobre os 50 detidos em agosto de 1988, os “clandestinos” não foram processados pela Polícia Federal “porque no Brasil não é crime tentar entrar clandestinamente em outros países”.

No dia 12 de janeiro a Folha volta a dar capa para o tema, com a manchete: “Emigração de clandestinos é permanente”. Um dos presos no caso relatado de agosto de 1988 relatou ao jornal que, em Governador Valadares, cerca de 170 pessoas tentam emigrar por mês.

“A Folha apurou que nos próximos dias um grupo de brasileiros estará embarcando nessa aventura”, diz um trecho da matéria, acrescentando que cada pessoa paga em média 2,8 mil dólares, ou 2,3 milhões de cruzeiros no câmbio da época, para “tentar realizar seu sonho americano”.

Segundo o prefeito de Governador Valadares, ouvido pelo jornal, cerca de 35 mil valadarenses estariam nos Estados Unidos – o correspondente, diz, a 15% da população da cidade. Até mesmo o prefeito – Rui Moreira, do PMDB – tem uma filha e um genro que moravam, à época, nos Estados Unidos, informa a matéria.

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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