“O Brasil é uma banheira muito grande com um pingo dagua”, diz deputado constituinte em 1946 sobre a imigração

Por Gustavo Barreto (*)
Trecho da edição de 27 de abril de 1946 do Diário da Noite.

Trecho da edição de 27 de abril de 1946 do Diário da Noite.

“O Brasil precisa [de] 10 milhões de imigrantes nestes proximos 25 anos”, anuncia o Diário da Noite na edição de 27 de abril de 19461. O jornal traz informações sobre a sessão do dia anterior da Assembleia Constituinte, que discutia a nova Constituição e aprovaria, em setembro, uma nova Carta Magna para o país2. “O último orador da sessão”, diz o jornal, “foi o udenista bandeirante Aureliano Leite, que voltou a tratar do problema da imigração”. Segundo o Diário, ele reiterou o que dissera há alguns dias no mesmo espaço: “A imigração no Brasil deve ser ampla e livre. Precisamos de dez milhões de imigrantes nestes próximos vinte e cinco anos”.

“Alguns deputados comunistas”, diz a matéria, disseram que o governo, “antes de cuidar da imigração devia proteger os trabalhadores nacionais e amparar a infancia”. Aureliano Leite, que segundo o Diário tinha o “apoio da maioria da Assembléia”, replicou que “os três problemas – imigração, proteção ao trabalhador nacional e amparo à infancia – são problemas paralelos”, argumentando que não havia “prejuízo em que o governo os resolva conjuntamente, de uma vez”.

Miguel Couto Filho, do PSD – mesmo partido do então presidente, Gaspar Dutra –, apoiou Leite, “acentuando que a Argentina cogitava de receber nada menos de 30 milhões de imigrantes em um prazo relativamente curto”. Já o padre Luiz Medeiros Neto, do PSD alagoano, teria repetido “uma opinião famosa” segundo a qual “o Brasil pode abrigar uma população de 900 milhões de habitantes”. O comandante Coelho Rodrigues concordou, registra o jornal, tendo declarado: “O Brasil é uma banheira muito grande com um pingo dagua”.

Aureliano Leite fez uma longa análise sobre a imigração japonesa, diz o jornal, e “explicou seu ponto de vista a respeito, admitindo a assimilação da descendencia niponica”. Nesse aspecto, foi contestado por Miguel Couto Filho, “que defendeu os argumentos expendidos por seu pai na Constituinte de 1934 contra a imigração amarela”. O padre Luiz Medeiros saiu, então, em defesa de Aureliano Leite, “dizendo que pudéra estudar a questão da assimilação da descendencia niponica”, durante um ano em que vivera na cidade paulista de Marília, “observando a efetivação desse fenomeno”.

Aureliano “acentuou que não advogava a imigração japonesa”, mas que “não podia deixar de reconhecer a capacidade de trabalho e a disciplina dos niponicos”, apesar de demonstrar “repulsa” pela ação “dos terroristas que agiam no seio dessa colonia”3. O constituinte voltou a falar, como era comum durante quase toda a História da imigração no país, na “falta de braços de que padece a lavoura”, concluindo, segundo registra o Diário da Noite: “Não sejamos méros cultivadores de couves. Facilitemos a entrada em massa de trabalhadores no Brasil”.

Citando um ministro de Gaspar Dutra, o jornal informa em outra matéria que “até o final do ano” – recordando que a matéria é de 27 de abril de 1946 – o Brasil receberá entre 50 e 60 mil trabalhadores estrangeiros. O ministro citado declarou que iria “em breve” para a Europa e para os Estados Unidos para tomar contato com a UNRRA – a chamada Administração das Nações Unidas de Socorro e Reabilitação, ou UNRRA da sigla em inglês United Nations Relief and Rehabilitation Administration –, uma agência de assistência humanitária internacional fundada em 1943, com forte presença norte-americana, porém representando 44 nações.

A organização passa a fazer parte da ONU logo após a fundação desta Organização, em 1945. O seu objetivo era o de “planejar, coordenar, administrar ou organizar a administração de medidas para o alívio das vítimas de guerra em qualquer área sob o controle de qualquer das Nações Unidas, através do fornecimento de alimentos, combustível, vestuário, abrigo e outras necessidades básicas, médicas e outros serviços essenciais”4. Até “fins de maio”, acrescenta o ministro, uma embarcação traria 1.500 imigrantes da Europa.

NOTAS

1 Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=221961_02&pagfis=33159&pesq=&url=http://memoria.bn.br/docreader#

2 Detalhes em http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/julgados-historicos/assembleia-constituinte-1946

3 Os japoneses que cometeram crimes no contexto do fim da Segunda Guerra Mundial é tratado neste trabalho.

4 Disponível em http://www.ibiblio.org/pha/policy/1943/431109a.html. Mais informações em https://archives.un.org/content/predecessor-organizations

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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