No Paraná, o Partido Conservador critica os grandes proprietários e pede a ‘subdivisão dos solos’

Por Gustavo Barreto (*)
A Gazeta Paranaense, órgão do Partido Conservador: edição de 22 de março de 1884

A Gazeta Paranaense, órgão do Partido Conservador: edição de 22 de março de 1884

A Gazeta Paranaense, órgão do Partido Conservador, publica em sua edição de 22 de março de 1884 carta de Manuel Eufrásio Correia ao escritor e político Alfredo d’Escragnolle Taunay – o “conde de Taunay”, eleito deputado pela província de Santa Catarina e, em 1885, nomeado presidente da província do Paraná. Ambos são lideranças nacionais do Partido Conservador e o tema é a contribuição dos trabalhadores estrangeiros no Paraná, em apoio a uma campanha da Sociedade Central de Immigração.

Argumenta Correia que “nenhuma outra porção do Imperio, mais que esta [o Paraná], acha-se em circumstâncias de proporcionar ao estrangeiro que procura nova patria condições de trabalho e prosperidade mais promptas e faceis”. Sobram “excellentes terras e culturas, quer em preciosas mattas, quer em vastissimos campos”, diz Correia, que ressalta ainda o clima “mais suave do que o de muitos paizes da Europa”. Além disso, “nos extensos pinhaes que alastrão o solo da provincia, nesta espontanea e caracteristica riqueza do Paraná, ao immigrante recem-vindo logo se lhe depara por infimo preço, se não gratuitamente, todo o material preciso para a construcção de uma casa com as dependencias e cercas indispensaveis ao seu estabelecimento”.

Estes argumentos, diz o autor, são sustentados pela prosperidade de alguns núcleos coloniais já em funcionamento na Província, principalmente na capital Curitiba. Correia passa a descrever o método utilizado pelo então presidente da Província, Lamenha Lins, que governará o Paraná entre maio de 1875 e 16 de julho de 1877.

Fazia-se, diz Correia, a aquisição das melhores terras, medidas e demarcadas em lotes. Cada família recebia seu lote e um auxílio para a compra de utensílios e sementes. O próprio colono, uma vez estabelecido, era empregado ou na construção de caminhos do núcleo ou em outras obras de vias. Em cada núcleo criava-se uma escola, e em alguns de posição mais central construía-se uma capela. Depois, passavam a produzir por conta própria e comercializar em cidades próximas, onde – segundo Correia – achariam um mercado para sua “nascente lavoura ou pequena indústria”.

Daí, diz o autor, originou-se “inquestionavelmente o considerável progresso da cidade de Curityba”, que “a todos sorprehende” e que coloca a cidade entre “os mais florescentes e confortaveis centros de população do Imperio”.

O artigo é uma resposta a discursos que afirmavam que as despesas realizadas com a colonização no Paraná não eram compensadoras. O autor admite que em três municípios paranaenses – Palmeira, Lapa e Ponta Grossa – a colonização utilizando imigrantes russos não foi positiva, culpando o autor a “infeliz compra de terras completamente estereis”, além de emancipação prematura dos núcleos, “quando ainda não havia lotes demarcados nem colonos estabelecidos”. Os imigrantes repatriados “russos” surgem em outro momento do texto como “russo-alemães”. A repatriação teria “abalado os créditos do governo e do paiz”.

Os problemas, diz o autor, “não esmorecerão no Paraná a fé no futuro da colonisação”. O paranaense, argumenta Correia, é “hospitaleiro por índole” e de “longa data habituado a experimentar as vantagens do predomínio do trabalho livre sobre o escravo”, além de ter “sempre os braços abertos para os immigrantes, qualquer que seja a sua procedência”. É notável que, apesar do discurso, a origem dos imigrantes na província até então estava clara: eram quase todos europeus.

Argumentando ser o melhor modelo o de “pequenos núcleos estabelecidos à margem de boas estradas que os approximem de povoações onde o colono ache facil venda aos seus produtos”, Correia argumenta que todas as terras devolutas estão em sertões longínquos. E um dos problemas, afirma, centra-se no fato de que “boas terras de cultura, campos de criação próximos de povoados e de estradas, pela maior parte só estão nas mãos dos grandes proprietários que não as cultivão, nem procurão meios de as cultivar”.

Os grandes proprietários de terra, portanto, fazem parte do problema: são improdutivos. A solução? “(…) Promover a subdivisão do sólo, creando o imposto territorial limitado primeiramente às zonas atravessadas pelas estradas de ferro, pelas estradas de rodagem e pelos rios navegaveis, como já tem sido lembrado.”

O imposto territorial proposto, tendo em vista as dificuldades financeiras da província, seria aplicado por simples declarações dos proprietários ou a partir de “estimativas de arbitros por um processo analogo ao estabelecido nas leis das terras para a legitimação das posses”. Além disso, diz o autor, incentivar a construção de vias férreas seria “o mais poderoso incentivo para uma franca e decisiva corrente de immigrantes”.

A questão dos imigrantes coloca em debate frequentemente os modelos de desenvolvimento, evidenciando as diferenças políticas locais e nacionais. Jornais da então imprensa dita “livre” e órgãos como o Gazeta Paranaense, apesar de aparentemente distantes em termos de proposta editorial, possuem nesse período pelo menos duas semelhanças notáveis: a frequência com que notícias eram confundidas com posicionamentos políticos e a ausência quase total da voz dos imigrantes em suas páginas.

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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