Imigrantes contribuíram com 19% do aumento populacional do Brasil entre 1840 e 1940

Por Gustavo Barreto (*)

O IBGE lembra, no entanto, que a imigração não teve a mesma importância que em países como Argentina (58%), Estados Unidos (44%) ou Canadá (22%).

Imigrantes contribuíram com 19% do aumento populacional do Brasil entre 1840 e 1940

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) relata em seu Estatísticas do Século XX (2003)1 que, entre 1901 e 2000, a população brasileira saltou de 17,4 milhões para 169,6 milhões de pessoas, com 10% desse crescimento se devendo aos imigrantes. Ao mesmo tempo, o Produto Interno Bruto (PIB) do país multiplicou-se por cem, e o PIB per capita, por 12.

A evolução dos diversos setores do PIB, no decorrer do século 20, mostra uma queda da participação da agricultura, demonstra o IBGE – de 45% em 1900, para cerca de 10% nas últimas décadas. “Inicialmente, este queda foi compensada pela expansão da Indústria, que passou de 12% do PIB no início do século, aumentando continuamente sua participação até meados da década de 1970, quando chega a 34% do total”, informa o Instituto. Já os serviços, que respondem pelo restante da produção, partiram de 44% do PIB em 1900, chegaram a 50% nos anos 30 e 40 e, finalmente, a 61% na última década do século.

Ao longo do século 20, a população se tornou quase dez vezes maior: o Censo de 1900 registra mais de 17 milhões de residentes. Na primeira metade do século, a população triplicou, informou o IBGE – 51,9 milhões de residentes em 1950 –, enquanto que, na segunda metade, mais que triplicou. Em 2000, já éramos 169,5 milhões de pessoas, chegando em julho de 2014 a 202,7 milhões2.

Durante as quatro primeiras décadas do século 20, o crescimento natural da população brasileira – ou seja, o saldo entre nascimentos e mortes – era de 19 por mil, enquanto a contribuição da imigração no mesmo período pode ser estimada em 2 por mil, disse o IBGE. “Em outras palavras, 10% do crescimento populacional do período se deve à migração de estrangeiros que, na verdade, iniciou-se no século 19, após a abolição formal da escravatura e a decorrente carência de mão de obra agrícola”, diz um texto divulgado pelo IBGE.

Conforme demonstrado neste trabalho a partir de dados dos próprios órgãos estatísticos que antecederam o IBGE, o texto acima contém uma informação falsa: a migração de estrangeiros não começou com a abolição formal da escravatura, evidentemente. Apesar da ausência de dados confiáveis em relação ao século 19 – a Diretoria Geral de Estatística fora criada apenas em 1871, enquanto que o primeiro censo nacional ocorreu um ano depois, em 1872 –, os imigrantes não só chegaram em grande quantidade antes mesmo da abolição formal, como havia editais públicos que estimulavam a vinda de europeus para o país.

Segundo o próprio IBGE registra em um gráfico publicado em sua página, somente em 1887 entraram no Brasil 54.932 imigrantes, a maioria atraídos por políticas governamentais de atração dos “braços para a lavoura”. O primeiro ano de registro, 1820, dá conta de que 1.682 imigrantes entraram no Brasil, enquanto que a média entre as décadas de 1850 e 1870 era, por exemplo, de cerca de 10 mil entradas por ano3.

Em 1934, conforme destacado neste trabalho, o governo estabeleceu um sistema de cotas para controlar a entrada de imigrantes. “Assim, a partir da década de 1930, a imigração perdeu sua relevância na taxa de crescimento da população brasileira, que teve simultaneamente à redução da imigração um aumento muito forte do crescimento natural, especialmente em meados do século”, destaca o IBGE.

Mesmo com a diminuição significativa do número de entradas de imigrantes neste e em outros períodos, a imigração contribuiu de forma direta (com os próprios imigrantes) e de forma indireta (com seus descendentes) com 19% do aumento populacional brasileiro entre 1840 e 1940. A análise desses números, diz o IBGE, mostra que a imigração não teve a mesma importância no Brasil como um todo que em países como a Argentina, onde a contribuição dos imigrantes, no mesmo período, foi de 58%, ou os Estados Unidos (44%) e Canadá (22%). O Instituto, expondo a criminalização histórica que caracteriza a questão da imigração, possui registros completos sobre o número de estrangeiros expulsos do ou presos no país4.

A oposição nacional-estrangeiro também foi destacada pelo IBGE na área de comunicação e cultura, no que diz respeito ao século 20: dados de 1936 já evidenciam a “presença avassaladora do cinema norte-americano”5. Dos EUA vinham, informa o Instituto de Estatísticas brasileiro, 65% dos filmes exibidos, enquanto a produção nacional detinha a segunda posição no mercado (26%). No começo das décadas de 1950 e 1960, os filmes nacionais passam a representar 32% do total distribuído.

No teatro, no entanto, a situação era oposta: no início da década de 1950, havia uma proporção de três peças nacionais para cada estrangeira. Também no rádio e na televisão aberta, a produção nacional foi sempre muito mais elevada do que a importada, diz o IBGE, correspondendo quase sempre em torno de três quartos das horas semanais desde fins da década de 1970.

Em relação aos periódicos impressos, o IBGE destaca por exemplo uma diversidade linguística muito maior de publicações no Estado de São Paulo6. Os dados referentes a 1912, por exemplo, apontam que enquanto o Rio (Distrito Federal) possui neste ano apenas nove periódicos editados em outro idioma que não o português (francês, italiano, inglês e árabe em destaque), São Paulo possuía 23 jornais editados em algum idioma estrangeiro – sendo 12 somente em italiano. É importante destacar que provavelmente existiram outras publicações, sendo estas somente as registradas oficialmente pelas autoridades da época.

A imigração nos estados é acompanhada, em parte, pelo número de publicações em outros idiomas. O Paraná, por exemplo, registra três publicações em alemão e seis em polonês (ou polaco, como grafado à época). O Amazonas registra uma única publicações estrangeira, em espanhol, enquanto que Minas Gerais registra uma em árabe. Também em 1912, o Rio Grande do Sul e Santa Catarina possuíam, cada, nove publicações em alemão, o triplo das em italiano (três cada). À exceção do Espírito Santo, todos os demais estados não possuíam uma única publicação estrangeira, segundo os registros das autoridades nacionais.

NOTAS

1 Dados disponíveis na publicação “Estatísticas do Século XX” (IBGE, 2003), em http://seculoxx.ibge.gov.br, com um resumo da obra em http://bit.ly/1vUThGZ

2 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/08/1507099-populacao-brasileira-atinge-2027-milhoes-de-habitantes-calcula-ibge.shtml

3 Os dados estão disponíveis em http://brasil500anos.ibge.gov.br/estatisticas-do-povoamento/imigracao-total-periodos-anuais

4 Disponível em http://seculoxx.ibge.gov.br/populacionais-sociais-politicas-e-culturais/busca-por-temas/justica

5 Dados disponíveis na publicação “Estatísticas do Século XX” (IBGE, 2003), em http://seculoxx.ibge.gov.br, com um resumo da obra em http://bit.ly/1vUThGZ

6 Todos os dados citados sobre os periódicos nos dois parágrafos que se seguem estão disponíveis em http://seculoxx.ibge.gov.br/populacionais-sociais-politicas-e-culturais/busca-por-temas/cultura

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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