Crise de imigrantes cubanos: posição do Itamaraty confirma a “tradição diplomática brasileira” da arbitrariedade

Por Gustavo Barreto (*)
Edição de 13 de abril de 1980 do jornal O Globo

Edição de 13 de abril de 1980 do jornal O Globo

No dia 20 de abril de 1980, o governo de Cuba anunciou que todos os cubanos que desejassem emigrar para os Estados Unidos estavam livres para fazê-lo, embarcando em botes no porto de Mariel, na província de La Habana, a oeste da capital. O episódio ficou, por isso, conhecido como o “Êxodo de Mariel”1. O portal Opera Mundi detalha, para o devido contexto, o ocorrido:

O êxodo foi precipitado principalmente pela carência de habitações causada pelas debilidades da economia cubana, que gerou tensões internas. Um fato, de 1º de abril de 1980, ilustra o descontentamento de alguns setores da população. Hector Sanyustiz e outras quatro pessoas derrubaram a grade e invadiram com um ônibus a embaixada do Peru em Havana. Guardas cubanos das ruas abriram fogo; um deles foi morto na troca de tiros. O grupo conseguiu asilo político na representação diplomática.

O governo cubano exigiu que os cinco prestassem contas à justiça pela morte do guarda. Como o governo peruano recusou a exigência, Fidel Castro ordenou a retirada de seus policiais da frente da embaixada na Sexta-Feira Santa, 4 de abril.

No domingo de Páscoa, 6 de abril, cerca de dez mil cubanos lotaram a exuberante paisagem dos jardins da embaixada, exigindo, eles também, asilo. Outras embaixadas, como as da Espanha e Costa Rica, concordaram em receber um pequeno número de pessoas.

Porém repentinamente, Fidel proclamou, duas semanas mais tarde, que o porto de Mariel seria aberto para todos aqueles que desejassem abandonar o país, enquanto tivessem alguém que pudesse levá-los de lá. As organizações cubano-americanas instaladas na Flórida apressaram-se para providenciar embarcações em Miami e Key West a fim de buscar seus parentes.

Ao todo, cerca de 125 mil cubanos se dirigiram às praias dos Estados Unidos em cerca de 1.700 barcos de todo o tipo, criando uma grande onda migratória que superlotou os serviços da guarda costeira norte-americana. (…)2

Em meio à crise, registra a edição de 13 de abril de 1980 do jornal O Globo, em seu caderno Mundo, que o Ministério das Relações Exteriores atendeu a uma solicitação do governo peruano e receberá – diz o jornal citando uma nota do Itamaraty – “um número ainda não determinado de asilados cubanos que se encontram na Embaixada do Peru em Havana”. O governo tomou esta decisão, continua a nota, levando em conta o “respeito aos princípios e normas do direito internacional e os aspectos humanitários que envolvem o problema dos milhares de asilados na Embaixada peruana na capital cubana”.

Segundo fontes do Itamaraty citadas pelo Globo, os asilados cubanos que vierem para o Brasil não poderão, no entanto, “promover atividades de natureza política como fazem os asilados em Miami, que realizam sucessivas manifestações contra Fidel Castro”.

Essa proibição, continua o relato do jornal, faz parte das “tradições da diplomacia brasileira” e fora aplicada dois dias antes “em relação ao ex-deputado paraguaio, Domingos Laíno, que foi a São Paulo lançar um livro sobre a influência política e econômica que o Brasil exerce sobre o Paraguai”. Laíno era, na verdade, um líder opositor da ditadura de Alfredo Stroessner no Paraguai e teve de se exilar pouco depois, de 1982 a 1987, após ter sido preso e torturado no país.

O jornal carioca questiona, em outro trecho, o comportamento dúbio da diplomacia brasileira: por que o governo brasileiro, pergunta o jornal, decidiu receber os cubanos e recusou-se a acolher, há um ano, os refugiados vietnamitas, “a não ser os recolhidos em alto-mar pelos navios da Petrobrás, apesar da pressão dos Estados Unidos e dos países da Europa Ocidental”?

A resposta oficial não foi dada, mas, segundo o jornal – citando “fontes diplomáticas” –, o Brasil teria se negado a receber os vietnamitas porque “as próprias nações que solicitavam ajuda brasileira já tinham feito uma triagem, escolhendo os melhores capacitados profissionalmente” e também porque “o país já tinha muitos problemas com imigrantes asiáticos, já que milhares deles penetraram ilegalmente nos últimos anos em território brasileiro da fronteira com o Paraguai”.

A política migratória brasileira se mantém, caso as fontes diplomáticas d’O Globo tenham sido confiáveis nesta ocasião, absolutamente discricionárias, arbitrárias: a entrada ou não de refugiados ou outros imigrantes se dá ao gosto do governo e aos ventos políticos internacionais.

NOTAS

1 Para detalhes, veja o registro do portal Opera Mundi: http://bit.ly/1t5AsBR

2 ALTMAN, Max. Hoje na História: 1980 – Fidel anuncia êxodo marítimo do Porto de Mariel. Opera Mundi, 20 abr. 2011. Disponível em <http://bit.ly/1t5AsBR>. Acesso em: 25 ago. 2014.

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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