Brasil necessita e não pode dispensar ‘as correntes immigratorias provindas do berço da nossa civilização – que é a Europa’

Por Gustavo Barreto (*)
Trecho do Correio Paulistano, 29 de abril de 1937

Trecho do Correio Paulistano, 29 de abril de 1937

Em meio a um intenso debate sobre as mudanças constitucionais relativas à política imigratória, o Correio Paulistano de 29 de abril de 19371 repercute a posição do V Congresso dos Lavradores de Café do Estado, em cartas ao ministro do Trabalho e ao presidente da Câmara dos Deputados. No documento enviado ao ministro, o grupo reclama da portaria que determina cotas provisórias de imigrantes por nacionalidade para o ano, afirmando que são “insuficientes” em relação a “certas procedências”, entre as quais os países centrais da Europa, a Holanda e a Dinamarca.

“V. exc. não ignora que a lavoura em peso é contrária ás restricções excessivas ultimamente postas em vigor quanto ás correntes immigratórias que demandam este paiz”, diz o ofício transcrito pelo diário. “Por isso mesmo, existe um grande movimento de opinião no sentido de ser revogado o dispositivo constitucional que deu causa a essas restricções e que fez com que se interrompesse desastradamente o affluxo de elementos indispensaveis ao trabalho agricola”, continua a nota.

A nota observa que o Brasil inteiro e, especialmente, São Paulo devem “boa parte do seu progresso a essas correntes immigratorias sempre favorecidas pelos poderes publicos desde o tempo do Imperio”, registrando que a “Lavoura anseia por uma solução prompta de tão importante questão”. Um dos trechos da nota dirigida ao ministro do Trabalho ressalta o desejo de europeização do campo brasileiro: “O Brasil, como todos os paizes americanos, necessita e não pode dispensar o concurso das correntes immigratorias provindas do berço da nossa civilização – que é a Europa”.

À Câmara dos Deputados, o grupo que a revogação das cotas imigratórias “com urgência”, pois “o prejuizo causado á economia nacional e principalmente á agricultura pelo texto [constitucional] em questão é immenso”, sendo que a falta de braços para a agricultura “aggravou-se consideravelmente em consequencia da restricção decretada”.

O argumento central busca ressaltar que o Brasil é um país “colossal” em extensão territorial e, por outro lado, ainda é escassamente povoado. Precisa, portanto, “voltar a seguir a sua política tradicional”, que é a de “acolher os immigrantes estrangeiros que conosco vêm trabalhar, enriquecendo e fortalecendo o paiz”.

Repercutindo o clima do debate à época, os cafeicultores reunidos nesta assembleia afirmam que “medidas de precaução” são sempre necessárias contra os “elementos nocivos”. Mas ressaltam que estas medidas “de modo algum pódem servir de motivo para se alterar essa tradicional politica que tanto bem fez ao Brasil”. O Congresso Federal, dizem, cometeu um “grave erro” contra os “interessas da Nação” e, nesta carta, eles esperam que ele seja corrigido. O posicionamento centra-se, mais uma vez, no “braço para o campo”, como era comum em toda a História da imigração no Brasil, porém agora com cada vez mais elementos nacionalistas, em meio ao contexto político da Era Vargas.

O Correio Paulistano também divulgou, na mesma coluna, uma carta da Sociedade Rural Brasileira. A entidade, no entanto, não faz qualquer referência aos imigrantes, focando suas reivindicações na produção e na exportação agrícolas.

NOTA

1 Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=090972_08&pagfis=18057&pesq=&url=http://memoria.bn.br/docreader#

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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