Atenção fazendeiros: lucrem mais com os japoneses, uma raça afável, obediente e que trabalhará 10 horas por dia

Por Gustavo Barreto (*)
Anúncio publicado no Correio Paulistano de 12 de outubro de 1897.

Anúncio publicado no Correio Paulistano de 12 de outubro de 1897.

O Correio Paulistano de 12 de outubro de 1897 publica um anúncio publicitário de página inteira intitulado “Aos senhores fazendeiros e agricultores da grande Republica dos Estados-Unidos do Brazil”, da empresa A. Fiorita & Comp1. No texto, a companhia pede a “attenção especial de todos os srs. fazendeiros e agricultores deste paiz para o importante beneficio que poderá advir-lhe com a acquisição de immigrantes japonezes”.

A empresa se apresenta como agente geral da Japan Emigration Company, dispondo portanto de “todos os elementos” para tornar uma “realidade a introducção de immigrantes japonezes” no Brasil. A empresa assegura “não ser de difficil execução levar a effeito tal emprehendimento”, apresentando ainda a parceira japonesa como “uma das Companhias mais poderosas do Imperio do Japão” e “indubitavelmente sem competidora entre as Companhias de immigração”.

Outra vantagem da Japan Emigration Company, afirma o anúncio, é que ela possui uma diretoria composta de banqueiros, capitalistas e comerciantes “dos mais considerados”, comprometendo-se a enviar para o Brasil, “conforme a encommenda, immigrantes da laboriosa e notavel raça japoneza, mediante razoavel retribuição e favoraveis condições”.

Em relação à “raça” japonesa, a empresa brasileira ressalta a “sobriedade do seu viver”, a sua “índole pacífica” e o “amor ao trabalho”. O povo japonês vive bem em seu país, argumenta a empresa, “tendo sempre trabalho”, porém “com ordenados inferiores aos que poderão ganhar fóra delle”. Justamente por esse motivo, argumenta a nota, “deve-se aproveitar tão util immigração”. O imigrante japonês como agricultor “é universalmente conhecido”, diz a empresa, com um conhecimento milenar no tema. Além disso, são “magnificos criadores de peixe”, os únicos que souberam “cruzar as differentes qualidades de peixe para conseguir especies únicas e originaes”.

Em relação aos valores morais, o texto argumenta que os japoneses são “dotados de muito bom genio, muito affaveis, no trabalho são unidos, trabalhando todos por um e um por todos, poder-se-hia dizer um regime militar, em manobras, obedecendo ao seu chefe”. A empresa ressalta que são obedientes, não são viciados, “trabalhando dez horas consecutivas por dia, menos aos domingos, que guardam para descanço”, sendo que seus únicos feriados são “o anniversario natalicio de S. M. o Imperador do Japão, em 282 de novembro, e o dia do Natal”.

“A sua paciencia é das mais extraordinarias”, garante a companhia, indicando como “prova” os “delicados trabalhos que sahem de suas mãos, taes como leques de fantasia, pinturas delicadissimas e sobretudo as preciosas louças que todo o mundo inveja”. O japonês, resumo o anúncio aos fazendeiros, “presta-se a toda sorte de trabalhos, desde o mais grosseiro até o mais apurado”.

A empresa garante que os japoneses introduzidos no Brasil pela Japan Emigration Company “não serão vagabundos, nem tão pouco vadios, imprestaveis, mas gente morigerada e perita na classe de trabalhos para que forem destinados”. O preço do salário na agricultura, afirma a empresa, será de “dezesete dollars (ouro) por mez, podendo alguns vir acompanhados de duas mulheres, as quaes serão de grande utilidade para o serviço domestico, ganhando um salario inferior ao do marido, tendo além desse salario, casa, agua e lenha”. A comida e o vestuário, informam, fica por conta dos imigrantes.

Há “muitas outras” vantagens, diz o anúncio: a empresa se responsabiliza, por exemplo, “a fazer os immigrantes submetterem-se a um exame medico rigoroso antes de sua partida do Japão”. A empresa reembolsa o fazendeiro caso chegue algum trabalhador incapaz para o serviço, “assim como tambem no caso de fuga de algum immigrante, durante o prazo do contracto” – prazo este de três anos, informa o texto.

“Emfim, seria necessario escrever um grosso volume para dar aos srs. leitores desta circular todos os detalhes, informações e vantagens desta distincta e intelligente raça”, acrescenta o anúncio, publicando em seguida uma tabela comparativa entre as despesas com uma família de imigrantes europeus e as com uma família de japoneses. Não só os lucros serão quase três vezes maior, em termos de custos ordinários, como o anúncio reforça, “como acima ficou dito”, que os japoneses trabalham dez horas por dia durante o prazo de 3 anos. Uma comparação minuciosa detalha o lucro do fazendeiro, anualmente.

“Com estes ligeiros dados, os srs. fazendeiros poderão imaginar a extraordinaria economia que semelhante immigração lhes proporcionará. Os srs. fazendeiros não devem perder a excellente occasião de colonisar o seu grande paiz com um dos povos mais activos, infatigaveis e intelligentes”, conclui o anúncio.

NOTAS

1 Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=090972_05&pagfis=8172&pesq=&url=http://memoria.bn.br/docreader#

2 Ou 23, trecho do documento incompreensível.

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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