APPADURAI, Arjun. Dimensões Culturais da Globalização – A modernidade sem peias.

Por Gustavo Barreto (*)

 

Trechos do capítulo 2, Disjuntura e diferença na economia cultural global. Livro de 1996, edição de 2004 (Lisboa: Editorial Teorema).


O mundo sempre foi global, mas hoje implica “interações de uma nova ordem e de uma nova intensidade”. Fatores geográficos e ecológicos, bem como resistência cultural impediam uma maior interação. (p.43)

Forças de integração cultural anteriores: viagens de mercadores, guerras e religião.

Este conjunto intrincado e estratificado de mundos eurocoloniais (…) esteve na base de um permanente tráfego das ideias de povo e indivíduo, as quais criaram por sua vez as comunidades imaginadas (Anderson, 1983) dos recentes nacionalismo em todo o mundo”. (p.44)

O ato de ler coisas em conjunto dispôs o cenário para movimentos baseados num paradoxo: o paradoxo do primordialismo construído (…) a questão das etnicidades construídas é sem dúvida uma fase crucial deste percurso”. (p.45)

Anderson: “Capitalismo impresso”. (p.45)

Com efeito, no século que passou verificou-se uma explosão tecnológica, dominada em grande medida pelos transportes e pela informação que faz com que as interações de um mundo dominado pela imprensa pareçam tão duras de ganhar e tão fáceis de eliminar como pareciam as formas anteriores de tráfego cultural à luz da revolução da imprensa”. (p.45)

Cada vez que queremos falar de aldeia global, há que não esquecer que eles criam comunidades “sem sentido do lugar” (Meyrowitz, 1985). O mundo que hoje vivemos é rizomático (Deleuze e Guattari, 1987) ou mesmo esquizofrênico, requer teorias do desenraizamento, da alienação e da distância psicológica entre indivíduos e grupos por um lado, das fantasias (ou pesadelos) da contiguidade eletrônica por outro. E aqui nos aproximamo-nos da problemática central dos processos culturais no mundo atual”. (p.45)

Culto global do hiper-realista: afinidade filipina pela música popular americana. Mas americanização não é o termo correto, pois há culturalismo envolvido e, além disso, “o resto de suas vidas não está em completa sincronia com o mundo de referência de onde são originárias as canções”. (p.46)

Frederic Jameson (1989): “Nostalgia do presente”: contemplar um mundo passado que nunca perderam, fazendo ironicamente um “jogo demolidor com a hegemonia da eurocronologia”. (…) “Trata-se de nostalgia sem memória”. (p.46)

No que diz respeito aos Estados Unidos, poder-se-ia sugerir que a questão já não é nostalgia, mas um imaginaire social amplamente construído sobre reposições. Jameson não hesitou em relacionar a política da nostalgia com a sensibilidade mercantil pós-moderna, e por certo tem razão (1983)”. (p.47)

Ele dá vários exemplos, entre eles: “(…) Paul McCartney vende os Beatles a novos públicos colando a sua nostalgia oblíqua ao desejo deles de novidade a cheirar velho” (p.47).

O passado deixou de ser uma pátria a que regressar numa simples operação de memória. Tornou-se um armazém sincrônico de enredos culturais, uma espécie de central de casting temporal a que recorrer apropriadamente, conforme o filme a realizar, a peça a encenar, os reféns a salvar” (p.47)

Final da página 47 e início da 48: discussão sobre cultura, representações do passado, presente e futuro.

Precisamos reconstruir a ideia de imagem. “Imagem, imaginado, imaginário: todos termos que nos orientam para algo de fundamental e de novo nos processos culturais globais: a imaginação como prática social. Já não é mera fantasia (ópio do povo cuja verdadeira função está alhures), já não é simples fuga (de um mundo definido principalmente por objetivos e estruturas mais concretos), já não é passatempo de elites (portanto, irrelevante para as vidas de gente comum), já não é mera contemplação (irrelevante para novas formas de desejo e subjetividade), a imaginação tornou-se um campo organizado de práticas sociais, uma maneira de trabalhar (tanto no sentido trabalhista como no de prática culturalmente organizada) e uma forma de negociação entre sedes [pontos?] de ação (indivíduos) e campos de possibilidade globalmente definidos.” (p.48)

(…) A imaginação está agora no centro de todas as formas de ação, é em si um fato social e é o componente-chave da nova ordem global”. (p.49)

Página 50: questão teórica metodológica.

Vivemos em mundos imaginados, e não apenas comunidades imaginadas.

Etnopaisagem: “(…) paisagem de pessoas que constituem o mundo em deslocamento que habitamos: turistas, imigrantes, refugiados, exilados, trabalhadores convidados e outros grupos e indivíduos que em movimento constituem um aspecto essencial do mundo e parecem afetar a política das nações (e entre as nações) a um grau sem precedentes”. Realidades e fantasias de deslocamento “funcionam agora em maior escala”. (p.51)

Tecnopaisagem: “(…) configuração global, sempre tão fluída, da tecnologia e ao fato de a tecnologia, tanto a alta como a baixa, a mecânica e a informacional, transpor agora a grande velocidade diversos tipos de fronteiras antes impenetráveis”, “cada vez menos determinadas por uma óbvia economia de escala (…) e mais pelas relações de complexidade crescente” (vide p.52 para o argumento).

Financiopaisagem: “(…) A disposição do capital global é hoje uma paisagem mais misteriosa, rápida e difícil de seguir do que nunca, já que os mercados de capitais, as bolsas nacionais e a especulação comercial se movem nas placas giratórias nacionais a uma velocidade estonteante (…)”. (p.53)

Relação entre as três paisagens: “Mesmo um modelo elementar da economia política global tem que levar em consideração as relações profundamente disjuntivas entre movimento humano, fluxo tecnológico e transferências financeiras”. Estas disjunturas “não chegam a formar uma infraestrutura mecânica global simples”. (p.53)

Em meio a isso estão as mediapaisagens ou ideopaisagens. As mediapaisagens:“distribuição da capacidade eletrônica para produzir e disseminar informação” (vide detalhamento na pág. 53), que fornecem “vastos e complexos repertórios de imagens, narrativas e etnopaisagens a espectadores de todo o mundo, e nelas estão profundamente misturados o mundo da mercadoria e o mundo das notícias e da política”, tornando confusa as “linhas divisórias entre as paisagens realistas e ficcionais”. (p.54; no primeiro parágrafo, detalhamento)

Ideopaisagens: mediapaisagens ideologizadas, politizadas, iluministas (“pressupunha uma certa relação entre leitura, representação e esfera pública”). “(…) consiste num encadeado de ideias, termos e imagens, entre os quais liberdade, prosperidade, direitos, soberania, representação e o termo dominante, democracia”. A diáspora destes termos e imagens por todo o mundo minou esse ideário iluminista.

Relação entre Estados e nações é conflituosa em toda a parte”: discussão nas páginas 58 e 59. “(…) ideias de nacionalidade parecem aumentar progressivamente de escala e cruzam regularmente fronteiras estatais existentes”. (p.59)

A globalização da cultura não é o mesmo que sua homogeneização, mas a globalização requer o uso de uma série de instrumentos de homogeneização”. (vide discussão na página 63 e 64)

Diálogo com Bauman (“é muito difícil a busca de pontos de referência estáveis”) e Bourdieu (atual realidade é menos um “habitus” e mais uma “arena de escolha, justificação e representação consciente”) na página 65.

Discussão sobre reprodução cultural e “politização de arenas íntimas” da sociedade, como a família, nas páginas 65 e 66.

(…) não precisamos perguntar como é que estas figuras complexas, estratificadas, fractais, constituem um sistema simples, estável (ainda que em larga escala), mas sim qual a sua dinâmica, por que ocorrem motins étnicos, quando e onde?” Dá para apontar alguma versão contemporânea do paradigma marxista, ao pensar o vínculo entre os fluxos de pessoas, tecnologias, finanças, informação e ideologia? (discussão na página 69)

 

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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