Após assassinato de Bob Kennedy, alerta contra ‘massas desajustadas’ e ‘etnias exóticas’ no Brasil

Por Gustavo Barreto (*)
Trecho da edição de 7 de junho de 1968 do diário carioca Correio da Manhã.

Trecho da edição de 7 de junho de 1968 do diário carioca Correio da Manhã.

“Imigração vê o Brasil sob mesma ameaça: Sirhan.” Esta é a manchete principal da edição de 7 de junho de 1968 do diário carioca Correio da Manhã1. Sirhan Bishara Sirhan é o assassino confesso do então senador norte-americano Robert F. Kennedy (mais conhecido como “Bob” Kennedy) – morto dois dias antes, em 5 de junho, no Hotel Ambassador, em Los Angeles. A matéria segue uma linha política governista neste período, que vincula praticamente todas as áreas da política à segurança nacional – os chamados “anos de chumbo”, que teriam início pouco depois, com a edição do Ato Institucional número 5 (AI-5), em 13 de dezembro do mesmo ano.

“Ao comentar, ontem, a condição de imigrante do responsável pela morte do senador Robert Kennedy, técnicos brasileiros em imigração estabeleceram a semelhança existente entre várias falhas da legislação norte-americana que trata da política imigratória com os erros de leis brasileiras sôbre o mesmo assunto”, diz a matéria do Correio logo no início.

Segundo essa análise dos ditos técnicos, no mundo “convulsionado que vivemos”, não só os “bons imigrantes e técnicos procuram fugir de áreas convulsionadas” – Oriente Médio, África e Ásia – “mas também os marginais, criminosos e exploradores de todo o tipo”. Apesar da aparente legislação rígida de entrada de estrangeiros em seu território, alertam, o país sofre “muitos males da vulnerabilidade de sua legislação imigratória”.

Para os EUA, apontam os técnicos citados pelo jornal, “acorreram milhares e milhares de desajustados, exilados por motivos políticos e gente sem profissão, criando verdadeiro perigo para a segurança da sociedade norte-americana”. Para isso, citam o assassino de Bob Kennedy, nas palavras transcritas do jornal “um desajustado jordaniano que imigrou para os Estados Unidos há pouco mais de um ano”.

No caso do Brasil, registra o jornal, existe de uns tempos para cá segundo os mesmos técnicos “um verdadeiro tumulto nas leis referentes à entrada de estrangeiros”. Segundo eles, os órgãos encarregados da seleção de imigrantes “extinguiram-se ou estão em vias de se extinguir por falta de objetivo”, tornando-se “cabides de emprêgo” e com seus orçamentos mal dando para o pagamento dos funcionários. “Não fazem política imigratória, sobretudo porque não recebemos imigrantes, isto é, bons imigrantes, como nos velhos tempos”, destacam os técnicos, citados pelo Correio.

Eles acrescentam que, ultimamente, o Brasil só tem recebido imigrantes “voluntários, de péssima qualificação, de etnias exóticas, sem qualquer semelhança com a matriz latina da nacionalidade brasileira”. As qualificações profissionais são “as mais espúrias”, vivendo estes imigrantes como “parasitas da economia nacional”.

Os técnicos alertam ainda que o Estatuto dos Estrangeiros – “tão apregoado”, diz o jornal – “nem subiu ainda ao presidente da República”. A lei, que viria a “disciplinar a entrada e a situação jurídica dos estrangeiros no Brasil, tem que ser levada avante com a maior urgência”, dizem os técnicos segundo o Correio, pois as autoridades brasileiras no exterior “andam perplexas com a incongruência de dispositivos conflitantes nessa matéria”.

Eles fazem, sempre segundo o jornal, um alerta em perspectiva: no futuro, o Brasil será o destino de “massas desajustadas”, sendo necessário “defender a evolução normal da sociedade brasileira”. A legislação sobre passaportes também é tema da análise: as leis seriam “obsoletas” e os seus serviços “muito precários, sem qualquer segurança para o País”. Esses seriam os dois pontos importantes – conclui o jornal, citando os técnicos – sobre os quais os responsáveis pelo governo “deverão meditar”.

É interessante observar o título da matéria: técnicos da área de imigração que nem sequer foram identificados – seriam do governo? Ligados ao governo? Independentes? Pesquisadores? – viram simplesmente “Imigração”, o próprio conceito, que vira portanto o sujeito da sentença: é a “imigração” que “vê” o Brasil sob igual ameaça à que matou o senador norte-americano.

NOTA

1 Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=089842_07&pagfis=92663&pesq=&url=http://memoria.bn.br/docreader#

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *