A ‘conspiração’ judaico-comunista no Brasil de Vargas: um episódio de perseguição aos judeus progressistas

Por Gustavo Barreto (*)
Matéria em destaque na capa d'O Globo de 27 de novembro de 1935.

Matéria em destaque na capa d’O Globo de 27 de novembro de 1935.

Os jornais registram, no final de novembro de 1935 e em meio ao episódio conhecido como Intentona Comunista, a prisão de militantes comunistas de origem judaica no Rio de Janeiro. Eles sofreriam posteriormente processos de deportação do Brasil, acusados de conspirarem contra o governo.

O diário carioca O Globo, notavelmente anti-comunista, publica em letras garrafais, na primeira página, a manchete: “Detidos varios conspiradores russos e polacos”, seguido das chamadas “Uma organisação comunista constituida de estrangeiros agia activamente nesta capital. Os membros da ‘Brazcov’ vão ser expulsos do Brasil, informa a policia”. São seguidas de uma foto com a legenda “Os principaes elementos da ‘Brazcov’, detidos hontem pela Policia”, com o nome de todos publicado ao final da matéria. A matéria é do dia 27 de novembro. Os levantes da Intentona ocorreram em Natal, Recife e no Rio de Janeiro, no final de novembro.1

O Globo informa que o então chefe da “Segurança Social”, Seraphim Braga, vinha há vários meses se empenhando em “importantes diligencias” para acompanhar os movimentos de um grupo de estrangeiros, “notadamente russos e polacos, cujas actividades logo se tornaram suspeitas”. O chefe da Segurança Social recebeu, informa o jornal, denúncias de que “esses elementos mantinham estreitas ligações com organisações extremistas internacionaes e obedeciam á instrucções de fóra do paiz”. A matéria não diz que organizações seriam estas, ou qualquer outro tipo de informação.

Braga conseguiu localizar, continua O Globo, os “pontos de reunião e a séde clandestina dos conspiradores tidos como vermelhos”. A matéria informa que eram 24 o total de detidos e que constituíam uma “agremiação denominada ‘Organisação Revolucionária Israelita Brazcor’, filiada ao Partido Communista”. Era três as “seções” em torno das quais o grupo se organizava: uma biblioteca, um restaurante e uma publicação cultural.

“Os communistas que são, em maioria, israelitas, rumenos, russos e polacos, reuniam-se diariamente durante o almoço e o jantar, na ‘Cozinha Proletaria Communista’ e ali discutiam, acaloradamente, seus planos revolucionarios. Alguns se dissimulavam em vendedores a prazo, outros em padeiros e em varias profissões”, relata o diário carioca. O jornal publica o nome completo deles, um por um, informando em seguida que eles serão expulsos do Brasil.

O Correio Paulistano do dia seguinte2 repercutiu o tema com base em informações do diário carioca Correio da Manhã, que afirma que a maioria era de poloneses. “Para melhor se entenderem, fundaram elles a Bibliotheca Popular Israelita ‘Schalom-Alechem’, com séde á rua Senador Euzebio n. 59, onde á guiza de se entregarem á leitura das varias obras se reuniam clandestinamente”, descreve o jornal de São Paulo, que também cita o restaurante e a revista de cultura do grupo, a Volkekultur. Assim como O Globo, o Correio da Manhã e o Correio Paulistano registram que um dos presos já havia sido expulso do Brasil anteriormente. “É elle conhecido agitador e perigoso communista”, escreve o diário paulistano.

Registro do Correio Paulistano de 28 de novembro de 1935 sobre o episódio.

Registro do Correio Paulistano de 28 de novembro de 1935 sobre o episódio.

Segundo o jornal também foram detidas seis mulheres, “duas das quaes perigosas e conhecidas como communistas, sendo recolhidas á sala de detidos da delegacia especial de Segurança e Política Social”, e as outras quatro liberadas. Nenhum dos jornais aponta quais crimes foram cometidos pelos comunistas presos e expulsos do país. Diz o registro policial:

27 de novembro de 1935. Ilmo Sr. Dr. Director da Casa de Detenção: De ordem do Exmo Sr. Chefe de Polícia, faço-vos apresentar os comunistas: (…), os quaes ahi ficarão recolhidos, à disposição daquella autoridade, afim de serem expulsos do territorio nacional, por perigosos á ordem publica e nocivos aos interesses do paiz. Ass. Affonso Henrique de Miranda Corrêa (Delegado Especial de Segurança Política e Social).3

As organizações judaicas progressistas tinham como objetivo, além de eventualmente exercer um papel ideológico, prestar assistência básica em áreas como saúde e educação4. Algumas das organizações de base do Partido Comunista Brasileiro (PCB) eram compostas exclusivamente por judeus – entre as quais a Brazcor5 – e há relatos da existência de outras organizações judaicas progressistas sem vínculos com o PCB6.

O fechamento de centros como este relatado na imprensa, no entanto, ocorre em meio ao clima de perseguição varguista não apenas contra eventuais formuladores de um golpe, mas igualmente contra seus opositores políticos em geral, bem como contra organizações de esquerda. Como evidencia a matéria de O Globo, a explosiva associação entre as identidades do estrangeiro, do judeu e do comunista gerava uma intensificação da perseguição a organizações judaicas ligadas a ideais de esquerda e a deportação de inúmeros judeus progressistas7.

NOTAS

1 Acesse um breve histórico em http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/RevoltaComunista

2 Vide em http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=090972_08&pagfis=10125&pesq=&url=http://memoria.bn.br/docreader#

3 Arquivo Geral da Polícia Civil do Distrito Federal. Prontuário n. 15.709, citado em http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/viewFile/18845/20908

4 Para uma lista destas organizações, vide páginas 229 e 230 de http://www.ufjf.br/locus/files/2010/02/art-10-imigrantes.pdf e páginas 7 e 8 de http://portal.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=2049&Itemid=229

5 Vide http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/viewFile/18845/20908; um outro estudo levanta dúvidas sobre este vínculo, veja em http://ebrael.files.wordpress.com/2014/05/militc3a2ncia-judaico-comunista-um-estudo-de-caso.pdf

6 Ver, por exemplo, páginas 239 a 244 de http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/6762/142.pdf?sequence=

7 Não há, no entanto, dados precisos sobre a quantidade de deportações. Vide referência anterior, página 242.

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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