1956: Medidas para o ‘bem estar material, intelectual e moral dos trabalhadores migrantes’

Por Gustavo Barreto (*)
Correio da Manhã de de 19 de agosto de 1956.

Correio da Manhã de de 19 de agosto de 1956.

A edição dominical – de 19 de agosto de 1956 – do Correio da Manhã1 publicava uma matéria grande informando sobre uma recomendação adotada na Conferência Internacional do Trabalho – vinculada ao Sistema ONU –, em Genebra, que tratava da proteção dos trabalhadores migrantes nos “países pouco desenvolvidos”. Em outro momento, classifica como “países insuficientemente desenvolvidos”.

A recomendação, explica o jornal, se aplica aos países e territórios de economia de subsistência que evoluem para formas de economia mais avançadas, eventualmente se tornando centros industrais e agrícolas. “Tal evolução provoca consideráveis movimentos migratórios de trabalhadores e, às vezes, de suas famílias”, informa o diário.

O Correio da Manhã informa que a recomendação pede a adoção de medidas, por leis ou regulamentos nacionais ou locais, por acordo entre governos “ou por qualquer outro procedimento”, com o objetivo de “proteger os trabalhadores migrantes e a suas famílias durante a viagem entre o ponto de partida e o local do emprêgo, tanto no interêsse dos migrantes como dos países ou regiões de onde procedem, por onde transitem e aonde se dirijam”. A recomendação, informa o diário, pede ainda que seja ofertado gratuitamente exames médicos admissionais.

O jornal afirma que a recomendação orienta “desalentar [desestimular] as migrações de trabalhadores”, sempre que estas forem consideradas “indesejáveis no interêsse dos trabalhadores migrantes, de suas coletividades e dos países de origens”, mediante “disposições que permitam melhorar as condições de existência e elevar o nível de vida das regiões de onde normalmente partem as migrações”. Pede, no entanto, igualdade de condições para os atuais migrantes.

Entre outros direitos que são pedidos na recomendação estão o direito de “associar-se e dedicar-se livremente a tôdas as atividades sindicais para fins lícitos nos centros onde trabalhem, adotando-se tôdas as medidas pertinentes a fim de garantir aos sindicatos representativos dos trabalhadores interessados o direito de celebrar contratos coletivos”.

Pede ainda a resolução, informa o Correio da Manhã, medidas para fornecer aos trabalhadores migrantes e a suas famílias “bens de consumo, especialmente alimentos e produtos alimentícios, a preços razoáveis e em quantidade suficiente”. Além disso, o empregador ou a autoridade competente deveria pôr à disposição do trabalhador terras de cultivo, “sempre que possível” – diz o diário com sede no Rio de Janeiro.

O documento do direito internacional que mais se aproxima da então recomendação citada pelo diário é, provavelmente, a “Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias”2, adotada pela resolução 45/158 da Assembleia Geral das Nações Unidas no dia 18 de dezembro de 1990 e em vigor desde 1o de julho de 2003. O tratado foi remetido pelo Itamaraty ao Congresso Nacional somente no dia 13 de dezembro de 20103 e, até hoje, o Brasil era o único país do Mercosul que não havia assinado nem ratificado o tratado4.

O documento da Conferência Internacional do Trabalho divulgado pelo Correio da Manhã também recomenda que não haja discriminação por motivo de nacionalidade, raça ou religião os direitos relacionados a indenizações por acidentes de trabalho ou enfermidades profissionais. No limite, diz o texto do Correio, “dever-se-ia proceder, na medida do possível e do desejável, em colaboração com os trabalhadores, à organização de sociedades de socorro mútuos e de fundos de previdência social, com o objetivo de fazer frente às necessidades dos trabalhadores” nos casos de proteção contra os “riscos de invalidez, velhice e morte”.

Outra recomendação é a adoção de medidas para permitir aos trabalhadores migrantes manterem contato com suas famílias e regiões de origem, entre as quais “a concessão de facilidades necessárias para o envio voluntário de fundos para a família do trabalhador em sua região de origem ou em outra parte qualquer, e para a constituição de um pecúlio [benefício] com o consentimento do trabalhador, devendo este receber ao terminar seu contrato, quando regressar à sua região de origem ou em quaisquer outras circunstâncias que serão decididas de acordo de acôrdo com as duas partes”.

Medidas para o “bem estar material, intelectual e moral dos trabalhadores migrantes” também são recomendadas. A saber: “(1) medidas para estimular a economia voluntária; (2) medidas para proporcionar facilidades de instrução aos filhos dos trabalhadores migrantes;5 (3) facilidades para permitir que os trabalhadores migrantes satisfaçam suas aspirações intelectuais e religiosas.”

Destaca-se que a matéria do Correio da Manhã, extensa e colocada em destaque, em nenhum momento adjetiva as recomendações ou faz qualquer comentário opinativo, se limitando a descrever as recomendações internacionais.

NOTAS

2 O texto completo, em português, está disponível no site da OEA em http://bit.ly/1hUKL3T

4 É possível acompanhar o status de cada Estado-membro da ONU em relação ao tratado em https://treaties.un.org/Pages/ViewDetails.aspx?mtdsg_no=IV-13&chapter=4&lang=en

5 Observa-se que a palavra “instrução” é, nesse período, utilizada como sinônimo de “educação”, o que pode não estar claro para as novas gerações.

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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