1891: Governo republicano nomeia comissão para tratar do “problema da immigração”

Por Gustavo Barreto (*)
Trecho da capa do  Jornal do Brasil de 15 de abril de 1891

Trecho da capa do Jornal do Brasil de 15 de abril de 1891

O Jornal do Brasil – à época ainda Jornal do Brazil – de 15 de abril de 18911 divulga um importante documento oficial do então Ministério dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, elogiando o posicionamento do governo em relação ao “problema da immigração e colonisação”. As chamadas “instruções”, como é nomeado o documento pelo JB, seria levado a cabo por uma comissão para o tema e é assinado pelo então ministro Henrique Pereira de Lucena, o Barão de Lucena, sendo o presidente à época Deodoro da Fonseca.

O texto do governo chama a atenção a necessidade de ocupar o “vastíssimo território” brasileiro, ainda em “tão grande parte inexplorado” e “até desconhecido”. Esta tarefa, continua o documento, não pode ser unicamente confiada ao desenvolvimento natural da população “sem que muito se retarde a era de grandeza com que nos acenão os nossos pujantes elementos de prosperidade”. Segundo as instruções, a imigração de “braços estrangeiros” constituirá por “dilatados annos necessidade imperiosa do nosso organismo economico”.

O governo considera o tema “complexo” e espera reduzir os encargos da União no setor e, por outro lado, facilitar “o mais possível” que trabalhadores tanto estrangeiros quanto nacionais adquiram terras e “outras condições de bem-estar”. O governo adiante que buscará facilitar a “introducção, recepção, agasalho, transporte e definitiva collocação do immigrante”, bem como a “escolha de territorios apropriados e sua medição, demarcação e divisão em lotes”.

“O Sr. Presidente da Republica ligando o interesse mais vivo á obra do povoamento e desejando colligir dados e informações que o habitem a decretar, nos limites da sua competencia, o que melhor convier, ou a indicar ao Congresso Nacional, na fórma do § 9o art. 48, da Constituição, as providencias e reformas urgentes que forem reclamadas pelo estado dos serviços da immigração e colonização, deliberou commetter-vos a missão de examinar por seus variados aspectos o prenotado problema”, diz o documento, que chama “especialmente a vossa attenção” para cinco pontos.

A primeira questão era: qual o melhor método de introduzir imigrantes? Contratando-os ou não? Em caso afirmativo, quais condições devem constar no contrato? Como será a fiscalização destes contratos?

A segunda questão trata do “meio efficaz” para impedir a introdução de imigrantes “inaptos para o trabalho”, bem como um “systema de propaganda leal e conscienciosa na Europa para dissipar preconceitos e corrigir erroneas apreciações ácerca da condição dos immigrantes no Brazil”.

O terceiro ponto fala na conveniência, em termos econômicos, de contratar empresas “dignas de confiança” para executar os serviços de “recepção, agasalho, transporte e collocação de immigrantes nas terras a que se destinam”.

O quarto aspecto fala na necessidade de descentralizar os serviços, de maneira que a interferência nos “negócios” da imigração e da colonização seja o “mais possível” circunscrita, ocorrendo uma “distribuição aos Estados de quotas aplicaveis a taes serviços”.

O quinto e último ponto, defendido pelos republicanos há algum tempo, é curto e direto: “V – Em geral, meios de valorisar a terra facilitando-lhe a acquisição e assim promovendo o desenvolvimento da pequena propriedade”.

As instruções sugerem ao final que, ao apresentar estas questões, o presidente da República não deseja “limitar” nem “subordinar” a comissão, podendo o grupo “versar (…) sobre quaesquer outros pontos que, a vosso juizo, for conveniente considerar”.

O JB – um diário de orientação liberal – acompanha o tema, publicando por exemplo na edição de 18 de abril o registro da primeira reunião da comissão designada pelo governo, que solicitou diversas informações sobre o tema a órgãos públicos e anunciou a realização de futuras audiências públicas para debater o assunto. Dois projetos foram apresentadas logo no primeiro encontro, incluindo um liderada pelo Barão de Mesquita, que também era proprietário rural.

Pela proposta, conforme informa a edição de 25 de abril, seria criado um Branco Territorial Colonizador do Brasil. Outros projetos apresentados incluem a criação de uma companhia na Europa que facilitaria a introdução de imigrantes; a criação de um “crédito colonial”; a introdução de 50 mil imigrantes europeus; e uma proposta do Barão de Werneck, também fazendeiro, para a introdução de 100 mil trabalhadores asiáticos.

Na edição do dia 25, o Jornal do Brasil lembra que as primeiras propostas da comissão excedem as atribuições do grupo, a quem foi confiada a execução de estudos sobre as questões relativas à imigração e colonização, e não “relatórios sobre propostas para contratos de immigrantes, as quaes devem ser reduzidas a instrumento público”. O JB dispara: “Julgar-se competente para receber essas propostas seria a commisão substituir-se ao ministerio da agricultura ou pelo menos aos seus orgãos officiaes”. O JB aproveita para republicar os cinco pontos sugeridos pelas instruções do governo, já destacados acima, concluindo: “Tudo isto é muito differente do que pretende fazer a commisão”.

A praga amarella”

Mais tarde, no dia 28 do mesmo mês, um dos integrantes da comissão se encarregaria de publicar uma resposta, argumentando que a comissão tem consciência sobre suas atribuições e informando que os autores das propostas é que se equivocaram, e não seus membros. O JB rebate, no dia seguinte, a réplica afirmando que as propostas continuam a ser recebidas, escrevendo que a “illegalidade flagrada nada vale para este governo de soberbos monarchicos”.

O diário carioca era, na verdade, contra o que classifica como “tráfico amarelo” e a tentativa de “achinesar” o país. O JB reproduz o editorial do jornal A Cidade do Rio de 7 de abril que por sua vez afirma ter usado apenas a “força da lógica” e do “patriotismo” para tentar impedir a entrada de chineses no Brasil. O editorial dispara: “Faça a commisão o que quiser: prefira os chinezes, ponha um rabicho a esta nação, converta esta republica de mentira, estes Estados-Unidos de caçoada, em uma serie de mandarinados, divididos pelos amigos, compadres e afilhadagem do governo”.

Este registro – do dia 29 de abril – tem um título bastante direto: “A praga amarella”. O editorial do A Cidade do Rio – que fora fundado em 1887 pelo abolicionista José do Patrocínio – continua: “Nada de ceremonias. Os pantanos e os cannaviaes estão pedindo carne amarella; venhão escravos para lhes fartar a gula”. Para este diário carioca, o Brasil foi formado pela “assimilação de raças selvagens pela raça branca”, com uma “nacionalidade em formação por elementos ethnicos sãos e poderosos”, acrescentando: “Reduza-a ao papel de China americana”.

O editor, indignado, completa: “Querem os chinezes? Pois venhão os chinezes. Que elles inundem tudo, que elles se enraizem no paiz como um sapesal, que elles desorganizem o trabalho, dissimulando pela barateza delle, o roubo á mão armado do salario do proletariado”. O editorial credita, enfim, o desejo pela introdução dos chineses à “saudade da escravidão” e à “nostalgia da lama”.

NOTA

1 Vide http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_01&pesq=immigra%C3%A7%C3%A3o

(*) Gustavo Barreto (@gustavobarreto_), 39, é jornalista, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis clicando aqui). Atualmente é estudante de Psicologia. Acesse o currículo lattes clicando aqui. Acesse também pelo Facebook (www.facebook.com/gustavo.barreto.rio)

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